Joel Pinheiro da Fonseca

Economista, mestre em filosofia pela USP.

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Joel Pinheiro da Fonseca

O Brasil pune pouco e mal os crimes hediondos

O país precisa ter coragem de aplicar pena integral para assassinatos

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Entretenimento, jornalismo e combate ao crime têm interagido de maneiras interessantes. Primeiro foi o podcast "A Mulher da Casa Abandonada" que lançou luz sobre a escravidão moderna.

Agora é a série documental "Pacto Brutal" que, ao relembrar o assassinato da atriz Daniella Perez, realça também como são leves as penas para crimes hediondos no Brasil. Guilherme de Pádua, o assassino, foi condenado a 19 anos e seis meses de prisão.

Se tivesse cumprido esses quase 20 anos de sua pena até o fim em regime fechado, isso em nada se compararia à perda da vida de sua vítima, é claro, mas ao menos seria uma punição relevante. Ele sairia da prisão tendo perdido fatia considerável de sua vida. Não foi o que aconteceu, infelizmente. Saiu da prisão em liberdade condicional após apenas 6 anos e nove meses.

Morte de Daniella Perez completa 30 anos
A atriz Daniella Perez; assassinato é tema de série documental - HBO Max/Divulgação

Não consta que muita coisa tenha mudado dos anos 90 para cá. O goleiro Bruno, cujas penas por homicídio triplamente qualificado, sequestro e cárcere privado somavam 20 anos e 9 meses, foi solto depois de 9 anos na prisão.

É difícil não se indignar quando percebemos o quão leves são as punições (as reais, efetivamente cumpridas, e não as escritas no papel) para crimes hediondos como o assassinato. A punição leve fomenta a descrença nas instituições. Uma coisa é o sistema não funcionar direito —por incompetência, corrupção, por leis mal formuladas— e um criminoso sair impune. É o que acontece muitas vezes.

Isso é muito ruim, e exige correções. Outra coisa, ainda mais desmoralizante, é o sistema funcionar exatamente como deveria, conseguir condenar o criminoso e, mesmo assim, sua punição ser leve demais. Aí não foi uma falha no sistema. É seu próprio funcionamento que está errado.

Alto lá, dirão alguns. Penas (reais) mais pesadas não reduzem a criminalidade. Não duvido que estejam certos. Com uma taxa de 44% de resolução de homicídios dolosos, conforme o último relatório do Instituto sou da Paz, aumentar a probabilidade de ser pego deve ser mais eficaz para deter novos assassinatos do que apenas aumentar a punição.

Reduzir a criminalidade pelo efeito dissuasivo não é, contudo, a única finalidade de uma pena. Há outras comumente levantadas. Uma delas é reduzir a reincidência. Manter o criminoso longe das ruas. Idealmente, ajudar o indivíduo a se adaptar à vida em sociedade.

Por trás de todas essas, contudo, jaz uma motivação fundamental, que alguns julgarão bárbara mas que é inseparável da nossa concepção de justiça: a simples retribuição. O criminoso fez um mal à sociedade. É preciso, portanto, que ele sofra um mal, restabelecendo, assim, um tipo de equidade que o crime perturbou.

Sim, é uma finalidade muito próxima, talvez idêntica, ao desejo de vingança (diferente dele, contudo, na medida em que há todo um processo codificado para investigar e julgar o delito e calcular e aplicar a pena). Mas, sem ela, sentimos que o mal venceu.

É verdade que o problema da criminalidade não se resolve apenas com polícia e prisão. Há todo um pano de fundo econômico, social, educacional, cultural. Sem dúvida. Mas mesmo que tudo isso estivesse muito melhor, ainda precisaríamos de polícia e prisão. Mesmo na desenvolvida e igualitária Noruega às vezes ocorrem estupros e assassinatos em massa.

Mesmo se a prisão não resultar em menos crimes, e mesmo se o assassino não representar mais um risco à sociedade, há algo de aviltante em vê-lo andar livre, leve e solto (e, em alguns casos, famoso) depois de uns poucos anos na cadeia. O Brasil precisa ter a coragem de aplicar a pena para assassinato em sua integralidade.

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