Joel Pinheiro da Fonseca

Economista, mestre em filosofia pela USP.

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Joel Pinheiro da Fonseca
Descrição de chapéu yanomami

Genocídio indígena por omissão?

Os dedos do governo Bolsonaro atuam em várias frentes na tragédia dos yanomamis

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De 1848 a 1855, a "corrida do ouro" da Califórnia levou milhares de garimpeiros sedentos por ouro para o novo estado recém-conquistado na guerra contra o México. No processo, dezenas de milhares de indígenas foram mortos por violência, epidemias e fome. O "genocídio da Califórnia", como ficou conhecido, teve participação direta inclusive de agentes do Estado norte-americano.

O governo Bolsonaro não mandou homens armados, não comandou garimpeiros, não despejou diretamente mercúrio nos rios nem carregou o protozoário da malária para matar os yanomamis. Ao deixar que a corrida do ouro da Terra Indígena Yanomami ocorresse com mais liberdade do que nunca, no entanto, e ao sonegar medidas de cuidado básico com a população indígena, produziu o mesmo resultado.

Mulher segura faixa branca que diz: "SOS Yanomani"
Manifestação em Porto Alegre a respeito da situação dos yanomamis - Diego Vara - 25.jan.23/Reuters

Bolsonaro sempre deixou clara sua atitude quanto aos povos indígenas: ou se integram à sociedade ou o trator do "progresso" passará por cima. Em 1992, propôs um projeto de lei pela extinção da terra yanomami. Já presidente, reuniu-se com madeireiros e garimpeiros para liberar a exploração econômica das terras indígenas. Declarava com orgulho que Roraima era um estado "engessado por política indigenista, política ambiental e direitos humanos". Ele sem dúvida tirou o gesso. Pelo bem dos indígenas, é claro, como a situação humanitária dos yanomamis nos últimos anos deixa evidente.

Os dedos do governo atuam em tantas frentes nessa tragédia. No não envio de medicamentos e alimentos —ou de medicamentos prestes a vencer. Na contratação de aeronaves do garimpo e ONGs evangélicas, cujo auxílio não chega aos indígenas. No descaso com inúmeros relatórios da piora da situação dos yanomamis, inclusive apontando vínculos de garimpeiros ilegais com militares. No apagão de contratações para fiscalizar o meio ambiente. No aparelhamento da Funai para trabalhar contra as bandeiras indígenas e a demarcação de terras.

O garimpo cresceu mais de 3.350% de 2016 a 2022 na região (dados do relatório "Yanomami sob Ataque", da Hutukara Associação), agora com financiamento de facções do tráfico de drogas. Com os mais de 20 mil garimpeiros na terra, vem não apenas o envenenamento dos rios com mercúrio —mais da metade da população yanomami tem níveis de mercúrio no sangue acima do limite. Também a malária —que infectou 40% da população em 2022, causando mortes e impedindo o trabalho. Sem falar da exploração sexual, a chantagem com dinheiro e bebida, a ameaça e o homicídio.

Por trás de tudo isso, há um problema social: por mais insustentáveis que sejam os ganhos do garimpo predatório, eles representam um aumento de renda temporário para a maioria dos envolvidos. Assim como o crime organizado nas cidades, o crime organizado na selva conta com oferta de mão de obra barata graças à pobreza local. A Amazônia é nosso maior patrimônio ambiental —dele depende inclusive a força do nosso agro—, mas sua preservação tem que oferecer respostas viáveis para as milhões de pessoas que vivem nela em condições muito precárias e buscam melhorar de vida.

Não sei o que mais surgirá das investigações, nem como os indícios coletados serão julgados por instâncias nacionais e internacionais. Se Bolsonaro é responsável pelo crime de genocídio, pelo mais genérico "crime contra a humanidade", ou se é inocente. Uma coisa, contudo, já podemos dizer: a destruição dos yanomamis e outros povos é o que ele sempre quis e é o que seu governo promoveu com muita eficiência. Com mais quatro anos, talvez completasse a missão.

Erramos: o texto foi alterado

Versão anterior deste texto dizia que a malária é causada por um vírus. A doença é causada por um protozoário.
 

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