Joel Pinheiro da Fonseca

Economista, mestre em filosofia pela USP.

Salvar artigos

Recurso exclusivo para assinantes

assine ou faça login

Joel Pinheiro da Fonseca

Sem objetividade, jornalismo e ciência não existiriam

Mais do que nunca, o jornalismo profissional importa

  • Salvar artigos

    Recurso exclusivo para assinantes

    assine ou faça login

Tantas daquelas vozes de esquerda que até o início do ano juravam defender a imprensa já começaram a destilar seu ódio.

Lula ainda está muito longe de endossar ataques e praticamente autorizar violência contra jornalistas, como fez Bolsonaro com suas atitudes e palavras, mas é inegável que a má-fé do petismo radical com a imprensa já voltou. A mesma imprensa que, pelos últimos quatro anos, quando era (vista como) oposição a Bolsonaro, era a voz dos fatos e da ciência, hoje voltou a estar a serviço da burguesia e até da CIA.

Esses ataques —que agora vêm da esquerda, antes vinham da direita— buscam minar no público a expectativa de um dos valores mais fundamentais do jornalismo: sua objetividade. Objetividade que foi arduamente defendida em artigo da Ilustríssima neste sábado, do ex-editor chefe do Washington Post, Martin Baron.

Pessoas olham seus celulares - Adobe Stock

Essa defesa é necessária porque um discurso ascendente tanto no jornalismo quanto nas humanidades em geral diz que a objetividade não existe ou não é desejável, pois implicaria uma neutralidade entre democracia e ditadura, defesa dos pobres e defesa dos ricos, bem e mal.

Baron bem observa: objetividade não é ficar em cima do muro diante de afirmações antagônicas, é buscar e apresentar os fatos sem distorções oriundas da subjetividade. O juiz imparcial não é aquele que não chega a um veredito, e sim o que chega ao veredito baseado nas provas do caso, e não em sua afinidade pessoal ou preferência ideológica.

Nessa discussão, a posição mais perigosa é a que busca rechaçar a objetividade como valor. Seja porque ela é inalcançável: a perfeita objetividade não existe, então não se deve fingir que se é objetivo e portanto o caminho é tirar a máscara, reconhecer seus interesses e defendê-los; ou porque ela não é apenas impossível, mas também má em si mesma: é a criação da cultura branca e europeia para impor seus valores (e seus interesses) aos povos subalternos do mundo. Rasgar fora o véu ilusório da objetividade —seja no jornalismo ou na ciência— é o primeiro passo para se libertar.

Ambas essas posições, se levadas a sério, significam a abolição do jornalismo. É justamente porque existem, além do plano dos discursos e dos interesses, fatos cognoscíveis pela razão humana que se justifica dedicar horas de trabalho e apuração para descobri-los. Se não existe diferença entre jornalismo e os posts de um blogueiro que escreve para justificar seu patrão, então não precisamos perder tempo com jornalismo.

A objetividade é pré-requisito da democracia, que supõe a legitimidade do debate público. É também a arma de todos os que se encontram subalternizados ou oprimidos. Mostrar os furos, os erros, as omissões do discurso dominante —ou seja, tudo aquilo nele que está em desacordo com os fatos— é o exato oposto de dizer que não há fatos.

Mais do que nunca, o jornalismo profissional importa. Com a facilidade de comunicação, políticos e lideranças em geral falam diretamente com seus seguidores, assim como artífices da palavra e do vídeo que buscam defender seus interesses.

Temos acesso fácil ao discurso de qualquer um, mas esse discurso pode ser verdadeiro ou falso, pode se distanciar em maior ou menor grau dos fatos. E para sabermos isso é necessário ter profissionais cujo trabalho é descobrir e nos comunicar esses fatos.

Contra os assédios da política, a solução não é tomar um dos lados da disputa, e sim apostar naquilo que, embora nunca de forma perfeita, nos permite julgar a própria disputa.

LINK PRESENTE: Gostou deste texto? Assinante pode liberar cinco acessos gratuitos de qualquer link por dia. Basta clicar no F azul abaixo.

  • Salvar artigos

    Recurso exclusivo para assinantes

    assine ou faça login

Comentários

Os comentários não representam a opinião do jornal; a responsabilidade é do autor da mensagem.