Meu pai morreu relativamente jovem, aos 67 anos, vítima de um câncer de bexiga, num momento em que estava cheio de projetos e vitalidade. Só hoje percebo que a origem da doença pode estar relacionada a fatores que desconhecia à época.
Muitos de nós perdemos parentes e amigos prematuramente, sem conseguir identificar a real causa da morte por falta de informações sobre a realidade que vivemos, especialmente nas cidades.
A poluição do ar matou mais de 50 mil brasileiros em 2018, segundo estudo da Organização Mundial da Saúde (OMS). Esse número chega a 4,2 milhões anualmente em todo o planeta, afetando populações urbanas e rurais. A OMS prevê que nove em cada dez pessoas hoje no mundo respiram ar contendo altos níveis de poluentes e mais de 90% das mortes relacionadas à poluição do ar ocorrem em países de baixa e média renda. Também neste tema, os mais pobres são os que mais sofrem.
Vale lembrar que há uma íntima relação entre as mudanças climáticas e a poluição do ar, de forma que, ao reduzi-la, estaremos também contribuindo com a redução do aquecimento global.
Chama a atenção que a mobilização da sociedade é desproporcional à gravidade do problema e a poluição do ar ainda não ganhou a prioridade necessária por parte do setor público nas diferentes esferas de governo. Nas cidades, a maior fonte poluidora são os veículos pesados a diesel, pois são os maiores emissores do material particulado fino. Ao entrar no nosso corpo, a poeira fina vai para os pulmões e circulação sanguínea.
A poluição do ar é um fator de risco crítico para doenças crônicas não transmissíveis (DCNT), causando cerca de um quarto (24%) das mortes por doenças cardíacas, 25% por acidentes vasculares cerebrais, 43% por doença pulmonar obstrutiva crônica e 29% por câncer de pulmão. Além disso, ela também aumenta o risco do câncer de bexiga.
Os processos judiciais ligados à poluição ambiental podem virar uma tendência global devido à ação pouco efetiva dos governos locais.
Na Cidade do México, que atravessa uma crise ambiental sem precedentes, o governo é alvo de processos após acusações de ter relaxado na fiscalização da emissão de poluentes e de ter tomado poucas providências para reverter o problema. Na França, um tribunal de Paris acaba de acatar a denúncia de uma família com uma criança que sofre de doenças respiratórias crônicas, o primeiro caso do país.
No Brasil ainda não há notícia de caso semelhante, mas não podemos descartar essa possibilidade. Além de permitir níveis de poluição muito acima dos padrões mundiais, o país investe pouco em fiscalização e não cumpre as diretrizes da legislação estabelecida em 1989 sobre a fiscalização da emissão de poluentes. Neste tema, como em tantos outros, temos a lei, mas não sua implementação.
O monitoramento da qualidade do ar no Brasil só é realizado em 7 unidades federativas e, mesmo nesses locais, o parâmetro adotado ainda é muito inferior ao recomendado pela OMS. A falta de informação do real nível de poluição não permite a mobilização da sociedade e posterga a construção de programas e políticas públicas por parte dos gestores públicos.
Em cidades como Paris e Londres, quando a poluição do ar alcança níveis considerados danosos, o poder público faz alertas intensivos à sociedade e adotam-se medidas emergenciais como gratuidade no transporte público ou suspensão das aulas nas escolas.
No Brasil é inquestionável e urgente a atualização dos padrões de medição. Para isso, será necessário enfrentar os interesses econômicos dos setores relacionados à poluição e investir em fiscalização. Somente em 2018 o custo com internações devido a doenças respiratórias foi de R$ 1,3 bilhão para o sistema de saúde, gasto que poderia ser revertido em investimentos.
A poluição do ar é traiçoeira. Diferentemente da água, que nos recusamos beber quando está suja, a poeira fina não é visível e, mesmo que fosse, não poderíamos deixar de respirar.
Cabe ao poder público ir além, iniciando por atualizar os padrões de medição da poluição para logo a seguir adotar políticas e fiscalização para este que é um dos mais graves problemas para quem vive nas cidades.
Comentários
Os comentários não representam a opinião do jornal; a responsabilidade é do autor da mensagem.