Jorge Abrahão

Coordenador geral do Instituto Cidades Sustentáveis, organização realizadora da Rede Nossa São Paulo e do Programa Cidades Sustentáveis.

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Jorge Abrahão

É possível haver uma cidade sustentável em um país autoritário?

Antes de tudo, esse tipo de cidade sustentável deve respeitar princípios básicos, como liberdade de expressão

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Deu no Tilt, no UOL: Dubai prepara cidade inteligente do futuro no meio do deserto. A ideia de cidade sustentável, inteligente, do futuro, vem sendo debatida em muitos fóruns pelo mundo. Às vezes, surge travestida de “smart city” —para lhe conferir um tom supostamente mais nobre em uma sociedade que ainda valoriza a anglofonia—, e sempre com forte relação com a tecnologia.
 
A ideia de desenvolvimento sustentável tem a ver com a capacidade de integrar agendas que, via de regra, são tratadas isoladamente. A novidade não são os temas em si, mas o desafio de integração que dependerá de uma visão mais ampla do gestor público, que estimule a interdisciplinaridade e o trabalho conjunto das secretarias e a pactuação com a sociedade sobre as fontes de recursos e investimentos: de onde vêm e onde serão aplicados. 

Antes de tudo, esta cidade sustentável deve respeitar princípios básicos e conquistas históricas da sociedade, tais como liberdade de expressão, respeito aos direitos humanos e a equidade de raça e gênero, entre outros.

Prédios em Dubai
Dubai e seus congêneres estão mais para parques de diversão para adultos do que para uma cidade sustentável - Giuseppe Cacace/AFP

Não se deve banalizar o conceito de sustentabilidade sob risco de reduzi-lo a padrões tecnológicos, como se pudesse ser viabilizado por governantes autoritários e em sociedades fortemente reprimidas. Dubai e seus congêneres estão mais para parques de diversão para adultos —que se extasiam pelos prédios mais altos, pelas simulações de pistas de esqui com o frio dos Alpes quando, na rua, os termômetros medem 45 graus— do que para uma cidade sustentável.

Há na sociedade uma fascinação pela tecnologia, como se espalhar sensores, radares, 5G ou Internet das Coisas (IoT) definissem seu progresso, e não a decisão de enfrentar os problemas reais da maioria da população: saúde, educação, habitação, mobilidade...

No mundo, a esmagadora maioria da população que vive em cidades é pobre. No Brasil, 52,5 milhões de pessoas (¼ do total) ainda vive com menos de R$ 420 por mês, segundo o IBGE. Neste contexto, qual a importância de ligar o ar condicionado, o forno do fogão ou a luz da sala pelo app da hora, frente à necessidade de sobreviver, alimentar o filho, ou pagar as contas da casa? 

Estas discussões têm elevado a tecnologia a um grau de importância que ela não tem. Ela é meio, não é fim. Os desafios atuais são mais analógicos do que digitais e tem a ver com maior participação da sociedade, forte redução das desigualdades e enfrentamento da mudança do clima, todos na esfera da tomada de decisão política. O que priorizar e para quem governar são decisões políticas por natureza. Evidentemente que, depois dessas decisões, a tecnologia tem muito a colaborar, mas este é seu lugar.

No Brasil, reconhecer nossa incapacidade de construir uma sociedade menos desigual, mesmo vivendo em um país rico, é um primeiro passo. As cidades terão papel cada vez mais importante e devem assumir compromissos com agendas ambientais, sociais e econômicas, independentemente do governo federal, o que lhes confere outro peso político e estimula a democracia no país. Estamos em ano decisivo para as cidades em função das eleições e identificar quem tem a visão mais integrada de nossos problemas e soluções é o desafio. 

Não é possível, portanto, haver uma cidade inteligente, futurista, sustentável ou seja lá o que for, em Dubai, nos Emirados Árabes Unidos. A riqueza ostensiva, fora de moda nos dias de hoje, pode até iludir desavisados, mas sustentabilidade não se compra, pois depende de fatores que vão muito além da riqueza. Não é concebível que numa monarquia absolutista, nos padrões da Idade Média, se imagine construir algo sustentável.

Já em países democráticos, mesmo com governos centralizadores e autoritários, as cidades têm um enorme papel no cenário político, podendo ser importantes agentes de transformação da sociedade. É nelas que mora a esperança.

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