Jorge Abrahão

Coordenador geral do Instituto Cidades Sustentáveis, organização realizadora da Rede Nossa São Paulo e do Programa Cidades Sustentáveis.

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Jorge Abrahão
Descrição de chapéu Coronavírus

No Brasil, o endereço residencial define os impactos do coronavírus

Em uma semana, houve aumento de 45% nas mortes nos 20 distritos mais pobres de São Paulo; nos 20 mais ricos, foi de 36%.

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O que era uma previsão começa a se tornar realidade em nosso país. Mesmo com a precariedade no sistema de notificações, está cada vez mais clara a relação entre as mortes provocadas pelo novo coronavírus no Brasil e as desigualdades estruturantes da nossa sociedade.

Se na Europa a faixa etária e as condições de saúde de cada cidadão determinam a gravidade e a letalidade do vírus, por aqui o fator que se mostra preponderante é o endereço residencial. A desigualdade regional é avassaladora nos municípios brasileiros, principalmente nas grandes cidades —justamente as mais afetadas pela pandemia.

Na capital paulista, um dos indicadores mais gritantes do Mapa da Desigualdade realizado pela Rede Nossa São Paulo é o que aponta a idade média ao morrer em cada um dos 96 distritos da cidade. Em 2019, a diferença entre o melhor e o pior chegou a 23 anos —80,6 anos em Moema e 57,3 anos em Cidade Tiradentes, na mesma cidade e a 27 km de distância. A pandemia do novo coronavírus tende a, infelizmente, acentuar ainda mais essa diferença, e isso provavelmente será refletido na próxima edição do Mapa.

Em um levantamento extraordinário feito recentemente, a Nossa São Paulo mostrou que a distribuição de leitos de UTI vinculados ao SUS no município só confirma a exclusão vivida por cidadãos que moram nas periferias da cidade: apenas 3 subprefeituras (Sé, Pinheiros e Vila Mariana) —localizadas nas regiões mais ricas e centrais— concentram mais de 60% dos leitos em UTI do SUS no município. Enquanto isso, 20% da população (2.375.000 pessoas) vivem em 7 subprefeituras —localizadas nas periferias do município— em que não há um leito sequer.

As consequências dessa desigualdade multidimensional e cumulativa vêm se traduzindo, cada dia de forma mais latente, nos números relacionados à pandemia. Um levantamento realizado pela Agência Mural de Jornalismo das Periferias aponta que a letalidade da Covid-19 nas periferias da capital paulista é cinco vezes maior do que a média nacional.

Na última segunda-feira (24), dados da Secretaria Municipal de Saúde de São Paulo divulgados pela Rede Brasil Atual mostram que, no período de uma semana, houve aumento de 45% nas mortes ocorridas nos 20 distritos mais pobres do município. Já nos 20 distritos mais ricos o aumento foi nove pontos percentuais menor: 36%. A média na cidade foi de 38%.

O distrito com maior número de mortes provocadas pela Covid-19 é a Brasilândia, com 81 óbitos. Não à toa, a região também aparece no Mapa da Desigualdade entre as piores em indicadores essenciais para a qualidade de vida da população: idade média ao morrer (60,01 anos); pré-natal insuficiente (25,20% das mães fizeram menos de 7 consultas); gravidez na adolescência (14,29%) e domicílios em favelas (29,60%, o segundo pior da cidade).

No restante do Brasil, a situação não é diferente. As marcas da desigualdade também se revelam nas estatísticas da pandemia. Manaus (AM) é um dos mais emblemáticos exemplos em nosso país. A cidade é a única em todo o estado —o maior do Brasil— que tem leitos de UTI. Mesmo sem considerar a subnotificação, o Amazonas tem a pior taxa de mortalidade do país: 45 óbitos por milhão de habitantes. E a pior taxa de incidência do vírus em todo o país - 521 casos por milhão de habitantes (dados de 20/4), cerca de 2,7 vezes a média nacional.

Todos esses indicadores combinados e somados mostram como as crises —sejam elas econômicas, ambientais ou sanitárias— geram maior impacto nas populações mais vulneráveis. As medidas emergenciais são vitais para conter a crise, mas elas só revelam o descaso acumulado em relação a direitos básicos como acesso à saúde, água, esgoto e habitação, que se evidenciam ainda mais em crise como a que vivemos.

Nesses momentos, fica evidente a necessidade de um pacto da sociedade que priorize investimentos para acesso a serviços e necessidades básicas da população, considerando as especificidades de cada região e de cada comunidade. Os municípios brasileiros precisam de políticas públicas —e de orçamento vinculados a elas— regionalizadas e que, de fato, priorizem à redução das desigualdades. Sem isso, permaneceremos extremamente vulneráveis a crises sanitárias, sociais, ambientais ou econômicas.

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