Jorge Abrahão

Coordenador geral do Instituto Cidades Sustentáveis, organização realizadora da Rede Nossa São Paulo e do Programa Cidades Sustentáveis.

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Jorge Abrahão
Descrição de chapéu conflitos da eleição

A desconfiança que nos une é a causa da nossa divisão

Soma da desconfiança pública com a privada resulta num combo difícil de ser enfrentado

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Somos 190 milhões de desconfiados no Brasil. Não é a solidariedade, a compaixão, a cordialidade, nem mesmo a insegurança: o sentimento que mais nos une é a desconfiança. Será possível construir uma Nação com esse nível de desconfiança?

Pesquisa mundial do Instituto Ipsos aponta o Brasil como a Nação que apresenta a população com o maior grau de desconfiança no mundo: só 11% dizem confiar no próximo. A média entre os 30 países pesquisados é de 30%. A China, por sua vez, aparece em primeiro lugar, com quase 60% da população afirmando sentir essa confiança mútua, seguidas por Holanda, Suécia e Austrália.

A desconfiança brasileira foi lapidada no tempo, e para desarmá-la será preciso entender algumas de suas motivações.

Urnas eletrônicas enfileiradas
TSE apresenta as novas urnas eletrônicas, que devem ser usadas a partir das eleições de 2022 - 13.dez.2021 - Abdias Pinheiro/SECOM/TSE/Divulgação

Há razões para a desconfiança na coisa pública. A política —salvo exceções— não está entregando acesso a serviços de qualidade e nem qualidade de vida para as pessoas.

A grande maioria da população brasileira leva uma vida sofrida há muitos anos. É possível reverter essa situação, mas há que se ter um grau de radicalidade, onde não se façam concessões frente aos temas que dão dignidade à população como saúde, educação, habitação, mobilidade e saneamento.

Se o Executivo só pensa na manutenção do poder, no Congresso não é diferente, dominado por grupos que trabalham por interesses próprios e privados, mas não públicos. As nada transparentes emendas de relator são um exemplo do jogo de interesses ali estabelecidos, enquanto as recentes trocas de partido evidenciam a supremacia do interesse imediato em detrimento do compromisso com os programas partidários. Dá para confiar?

O Judiciário, em muitos casos, defende interesses e grupos mais poderosos e com manobras que não o dignificam. Um exemplo é o pedido de vistas do Ministro Mendonça do STF em relação à demarcação de terras indígenas pelo marco temporal, o que gera dúvidas quanto aos interesses que defende. Como confiar na imparcialidade do judiciário?

Pesquisa divulgada em janeiro pelo Instituto Cidades Sustentáveis ilustra a desconfiança dos paulistanos frente às instituições. Chegou a 28% dos entrevistados a afirmação de que nenhuma delas contribui para sua qualidade de vida. No caso da Câmara de Vereadores de São Paulo, apenas 3% da população enxerga efeitos positivos em sua atuação. Em relação ao executivo municipal, a percepção negativa atingiu 45% dos entrevistados. Quase metade da população afirmou também que a prefeitura é pouco, ou nada transparente em relação aos dados públicos.

Em relação às empresas há também muita desconfiança, justificada pela priorização de seus interesses em detrimento do público: o recente lobby pela liberação de agrotóxicos, não se importando com o impacto na saúde das pessoas, é um exemplo disso. Ainda mais recentemente, o governo federal sancionou decreto com a redução de até 25% no IPI de veículos e eletrodomésticos, que não foi repassado pelas empresas ao consumidor. Há também aqui uma quebra de confiança.

A enorme desigualdade no Brasil é outro fator de desconforto social, que nos separa e gera olhares tortos. De camada em camada, fomos criando uma casca de desconfiança que nos separa e dificulta a elaboração de um sonho comum.

A soma da desconfiança pública com a privada resulta num combo difícil de ser enfrentado. A recuperação passa por entregas, cumprimento de promessas e, sobretudo, a prevalência do interesse comum frente ao privado.

A construção de confiança tem a ver com pertencimento, cuidado, empatia, comprometimento, entre outros sentimentos. Embora no Brasil tenhamos queimado as pontes que nos aproximam, é tempo ainda de reverter esta situação. Resta estimular a confiança nas pessoas, antes de desconfiar.

A criação de um ambiente favorável e confiável é base para o avanço da sociedade e dos negócios. As empresas têm responsabilidade neste processo: ir além dos interesses de curto prazo. Na política, um caminho é a criação de espaços de participação que aproximem a política da sociedade. Outro indica as eleições deste ano, que se configuram como mais uma oportunidade para transformação.

Mesmo que seja difícil confiar, o caminho da política é fundamental para enfrentar os desafios que temos. Cabe a cada um de nós identificar nossos nomes de confiança. Eles existem, acreditem. Só que, para achá-los, temos que estar dispostos a pesquisar, ouvir e avaliar criticamente. Será pelo aprimoramento da democracia que iremos recuperar a confiança perdida.

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