Jorge Coli

Professor de história da arte na Unicamp, autor de “O Corpo da Liberdade”.

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Enquanto municipais de SP e Rio estão sem rumo, Manaus dá exemplo

Festival Amazonas de Ópera ofereceu grande edição e já publicou programa do ano que vem

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O pintor foi preso, torturado e fuzilado diante de sua companheira. Ela evitou o estupro pelo chefe de polícia matando-o com uma facada, mas se viu obrigada a pular no vazio, suicidando-se.

Episódio ocorrido no Brasil durante a ditadura militar? Não. Essas frases resumem a trama da ópera “Tosca”, de Giacomo Puccini, obra-prima de trágica força contemporânea.

O gênero da ópera sofreu uma condenação pelo espírito moderno do século 20, tão radical quanto injusta. Eram cabeças preconceituosas, animadas por um cerebralismo tantas vezes estéril, que julgavam a ópera grosseira, simplória e de mau gosto.

Tais preconceitos, felizmente, quase desapareceram. A complexidade e a grandeza daqueles personagens “larger than life” mostram-se, ao contrário, muito atuais. Levam a apreender o equilíbrio tênue entre paixões e razões, reflexão e impulso, irracionalismos e estratégias. 

Mostram, melhor do que tantas análises teóricas, como a política se constituem por um amálgama de interesses, pulsões, manobras e, às vezes, convicções generosas e honestas. Espelham, ampliando, aquilo que percebemos em nosso cotidiano: incertezas, angústia das escolhas, movimentos coléricos ou felizes que ocorrem dentro de nós.

Mas há outro preconceito, em particular no Brasil. A ópera seria um espetáculo “elitista”. Visão completamente errada de um ponto de vista histórico: a ópera já foi um espetáculo eminentemente popular. Tem tudo para seduzir qualquer classe social. 

Como todo preconceito, esse provém da ignorância que conduz muitos responsáveis pela cultura a imaginar que, para levar “as massas” a teatros como os municipais de São Paulo ou do Rio, é preciso pôr lá dentro shows diversos que nada têm com a música dita “clássica”, diminuindo ainda mais sua tão exígua parte dentro da cultura brasileira.

Quando se quer renovar público, começa-se por oferecer as grandes obras a preços populares, facilitar o transporte, sensibilizar escolas e empresas.

Os dois grandes teatros do Rio e de São Paulo, de longa e bela história consagrada à música, estão hoje sem rumo. O de São Paulo foi incapaz de apresentar uma programação para 2019 e o do Rio dá sinais sérios de uma hecatombe financeira e administrativa.

É do Norte que vem o bom exemplo. Referi-me à “Tosca” porque pude assistir em maio, no Teatro Amazonas, de Manaus, a uma notável representação dela. Fez parte do 22º Festival Amazonas de Ópera. Sim: há 22 anos esse festival existe. 

Não faz muito, um governador —felizmente cassado no meio de seu mandato— tentou exterminá-lo porque, não é mesmo?, cultura não serve para nada. Exemplo de um triste fato: as instituições culturais no Brasil são sempre muito frágeis, porque, sem autonomia, repousam sobre o arbítrio dos políticos.

O festival, porém, renasceu ainda mais forte. Ofereceu uma grande edição neste ano e, pasmem, já publicou o programa do ano que vem! 

Um planejamento impressionante por estas terras do improviso. É fácil imaginar a alegria dos agentes de turismo que podem prever, com tempo e calma, a vinda de visitantes desejosos de assistir a uma ópera de alto nível nesse mítico teatro perdido em meio à selva amazônica. 

O festival fortaleceu-se, assim, graças ao formidável esforço de duas décadas, assegurado —entre trancos e barrancos— por boa junção administrativa e artística: quase um milagre.

As óperas de 2019, a que pude assistir, foram de nível altíssimo. Além da “Tosca”, um título raro: “Maria Stuarda”, de Gaetano Donizetti, em que política e paixão se desencadearam graças a vozes fenomenais; um balé com a excelente orquestra de câmara; e a raríssima, poderosa “Alma”, inspirada em Oswald de Andrade, composta pelo amazonense Claudio Santoro, celebrando o centenário de seu nascimento.

O diretor artístico do festival, maestro Luiz Fernando Malheiro, conta que nos primeiros anos tudo teve que vir do sul para as montagens. Mas, em 22 anos, o festival tornou-se autônomo: sua equipe de produção (cenários, figurinos, eletricistas e técnicos de todos os tipos) é agora essencialmente local, assim como todos os corpos artísticos.

Isso significa não só emprego para centenas de pessoas como também formação profissional, com incidência expressiva sobre a vida econômica e social da cidade e da região.

Hoje, o festival é o grande interlocutor brasileiro da organização internacional OLA (Ópera Latinoamérica). Uma de suas produções (“Fausto”, de 2018) será exportada, neste ano, para a Ópera Nacional de Chile, em Santiago.

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