Jorge Coli

Professor de história da arte na Unicamp, autor de “O Corpo da Liberdade”.

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Jorge Coli

Livro do crítico Sérgio Augusto introduz cultura e inteligência na reclusão

Na obra, tudo é vívido e brota de um coração que pulsou muito nas salas escuras

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“Vou ao cinema”, repetia sempre Tom a sua mãe. “Eu vou ao cinema porque gosto de aventura. Aventura é uma coisa que eu não tenho muito no trabalho, então eu vou ao cinema.” Esta réplica está na peça de Tennessee Williams “O Zoológico de Vidro”.

Tom vivia num bairro pobre de St. Louis, com sua mãe frustrada e tirânica e com sua irmã aleijada. Tem uma vida medíocre e asfixiada. O cinema lhe dava ânimo e coragem.

Foi nisso que pensei ao ler “Vai Começar a Sessão”, volume que reúne mais de 80 artigos de Sérgio Augusto publicados no jornal O Estado de S. Paulo, entre 2000 e 2010. O livro acabou de sair pela editora Objetiva, de nome muito apropriado.

O jornalista e crítico de cinema Sérgio Augusto - Chico Cerchiaro/Divulgação

Vou ao cinema, devia dizer Sérgio Augusto desde criança. Sua cultura cinematográfica é estonteante, sem nenhuma secura teórica, nem obsessões de erudito. Sabe ver tanto os fenômenos sociais e históricos (análises incisivas sobre o macarthismo, por exemplo), assim como os artísticos. Tudo é vívido e brota de um coração que pulsou muito nas salas escuras.

Traduz seus amores em estilo elegantíssimo, límpido, sem receio de empregar nele expressivas locuções francesas: nenhum cinéfilo que se preze pode ficar longe desse país que idolatra o cinema e que produziu as mais importantes publicações sobre a sétima arte.

A devastação atual pelo vírus e pela política faz com que “Vai Começar a Sessão” seja talhado para nossos tempos estapafúrdios. Introduz cultura e inteligência na reclusão, convida ao conhecimento.

Sei que não podemos ir ao cinema, porque eles fecharam e, de qualquer modo, não se deve sair de casa, mas agora, graças à internet, temos acesso, muitas vezes em qualidade alta, a todos, ou quase todos, os filmes da história.

Os millennials não suspeitam da bela ansiedade, antigamente, quando se descobria uma fita rara passando em cinema de bairro (a distribuição, nesses velhos tempos, era muito diferente da de hoje: cópias circulavam durante décadas, preenchendo buracos; nas cidades do interior, durante a semana, surgiam filmes velhíssimos, que eram devorados junto aos mais recentes). Ir num lugar longe, ficar esperando a sessão começar, eram emoções que agora só se tem com o teatro, ópera, concerto.
Impulsos afetivos permeiam “Vai Começar a Sessão”. Sérgio Augusto, junto com suas análises, situa o clima de descobertas e leituras apaixonadas.

Um desses belos momentos foi o da primeira projeção, na Cinemateca do Rio, de “Assim Caminha a Humanidade”, filme de George Stevens: o mítico James Dean acabara de morrer. No filme, o discurso que deveria fazer bêbado, durante um banquete, ficou conhecido como “a última ceia”, porque foi a derradeira cena que o jovem astro deixou. Sérgio Augusto conta o “ah!”, orgástico, emitido pela plateia, quando a imagem fantasma de Dean apareceu na tela.

Sérgio Augusto não é apenas historiador ou analista, é também crítico, mas crítico amoroso e indulgente. Aqui e ali, bem poucas vezes, com tato e discrição, alfineta ou desclassifica algum título.

Entre eles, “Ben-Hur”, de William Wyler, ou “Os Sinos de Santa Maria”, excelentes para minha ilha deserta ou para minha quarentena: são filmes do coração, que não troco por nenhum monumento histórico da cinematografia, junto —e acrescento por minha conta— com “Cortina Rasgada”, de Hitchcock, não muito amado; ou “A Irmã do Mordomo”, de Borzage, bem esquecido.

Vá saber por que alguns filmes omitidos pela história terminam se aninhando em nossas almas. Em todo caso, minha doutrina é: cinema, mesmo quando é ruim, é bom.

O amor de Sérgio Augusto pela produção americana é tão grande que o levou a percorrer lugares lendários nos Estados Unidos: Monument Valley ou a São Francisco de “Um Corpo que Cai” (não menciona Bodega Bay; e se não foi até lá, onde Hitchcock filmou “Os Pássaros”, pelo menos nisto tenho um pontinho na frente dele!). Conheceu diretores e atores míticos, como Sharon Tate e Francis Ford Coppola.

Por sinal, se sua erudição é enorme e infalível, foi vítima de uma vingança invejosa, vá saber de que deus cinematográfico. Um erro de editoração, sem que o autor tenha nenhuma responsabilidade; uma amiga notou e me disse.

A capa do livro ostenta duas fotos de Kim Novak em “Um Corpo que Cai”, figurando seu duplo papel. Ora, as informações editoriais assinalam que a capa mostra foto de... “O Crepúsculo dos Deuses”, de Billy Wilder, com Gloria Swanson!

“Nobody is perfect!” —para terminar com uma citação cinéfila, de “Quanto Mais Quente, Melhor”.

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