Jorge Coli

Professor de história da arte na Unicamp, autor de “O Corpo da Liberdade”.

Salvar artigos

Recurso exclusivo para assinantes

assine ou faça login

Jorge Coli

União de forças esclarecidas por ora é mera ilusão

Essa é a única saída para impedir escolha entre dois candidatos muito ruins na eleição de 2022

  • Salvar artigos

    Recurso exclusivo para assinantes

    assine ou faça login

Neste meu canto, confinado, tento entender a maluquice deste mundo em que estamos vivendo. Estou em isolamento cuidadoso desde março e me habituo a perceber tudo de maneira indireta, virtual, cortado que estou dos contatos reais. Seja como for, tudo o que captamos são sempre informações fragmentárias a serem interpretadas e às quais tentamos dar sentido.

Meus instrumentos de compreensão são limitados para a política. Ela não é um campo de conhecimento que eu domine, e nem tenho uma cabeça política, nem no sentido de que esse universo me atraia, nem no sentido de compreendê-lo, e muito menos no de atuar nele.

Assim, li com admiração acrescida “Trapaça”, livro de Luís Costa Pinto, de apelido Lula, ou Lulinha. Esse apelido é comum, dado aos Luíses, em Pernambuco, onde nasceu: não tem relação com o ex-presidente, a não ser os fatos de serem ambos pernambucanos e terem o mesmo nome.

Há um primeiro fato, espantoso: Luís Costa Pinto era um jornalista de 23 anos que alavancou a queda do presidente Collor. O papel que teve junto a Pedro Collor, o irmão fatídico, a nêmesis do presidente, foi crucial nas estratégias jornalísticas que o autor soube montar da maneira certa e nos momentos certos.

Seu talento é inato: tão jovem, e demostrar uma tal capacidade de entender os fios tão embrulhados da política e da mídia é coisa de jovem prodígio, porque isso não se aprende em faculdade ou colégio. Fico embasbacado com sua aptidão em perceber de imediato as características de alguém, traços que lhe permitem saber como agir nas relações que entabula.

Dou um exemplo: “Passava um pouco das quatro da tarde quando Mario Sergio iniciou a reunião. Todos na sala, dispersos em meia-lua, tendo-o como uma espécie de ‘sol’ a liderar o grupo. Mal entrado nos quarenta anos, ele fazia o gênero blasé. Mas gostava de pompa, da exibição do poder explícito. A enorme mesa com tampo de fórmica creme com vidro por cima separava-o de todos nós”.

Numa situação assim, a maioria, eu em primeiro lugar, teria sentido a atmosfera de dominação de modo indistinto. Luís Costa Pinto capta os indícios com clareza e os compreende com consciência. Graças a isso, situa-se e sabe quais as atitudes, os movimentos a serem preferidos para atingir os objetivos que almeja. Um desastrado nas relações humanas como eu baba de inveja.

Acrescento que o estilo não é o da neutralidade narrativa, mas o da força literária. No trecho, a oposição entre a meia-lua inferior e o sol dominante é expressiva. Luís Costa Pinto continua: “Parecia fazer questão de demonstrar ser inacessível a quem estivesse abaixo dele na pirâmide alimentar das redações”.

Com esse “pirâmide alimentar das redações”, de maneira instantânea surge tanto o peso da hierarquia no meio jornalístico, como sua natureza de devoradora competição.

Ninguém é tão ingênuo a ponto de acreditar que a política é aquilo que nos é mostrado. Mas o jogo, exposto no livro, entre mídia, política e politicagem, que ocorre nos bastidores, dá vertigem. Tenho certeza de que faltam muitas ramificações, pela boa razão de que é impossível dominá-las todas, mesmo para alguém tão envolvido nelas como o autor do livro.

​​Renato Janine Ribeiro fez um prefácio melancólico para “Trapaça”. Constata que os tempos pós-Collor foram otimistas, e os nossos padecem de uma triste regressão.

Na minha candura de incauto, meus raciocínios funcionam com simplicidade. Eu pensava, em relação às eleições presidenciais de 2022: se Jair Bolsonaro for para o segundo turno, voto em qualquer um que se oponha a ele, porque ninguém pode ser pior.

Como fizeram os franceses de esquerda quando escolheram entre Chirac, líder gaullista da direita clássica, e Le Pen, o então chefe da extrema direita na França: foram às urnas com prendedores de roupa no nariz, mas impediram que Le Pen fosse eleito.

Então: votar em qualquer um? Mesmo no Doria? Seria ele de fato menos ruim do que Bolsonaro? Com seu aspecto mais “civilizado” que o do brucutu, com sua habilidade política, uma vez na Presidência talvez tenha mais sucesso no estrago. Por exemplo, Chirac nunca pensou em tirar dinheiro das universidades e da pesquisa científica. Doria sim, e está fazendo muita força para que isso aconteça.

Se correr, o bicho pega; se ficar, o bicho come. Única saída: a união das forças esclarecidas, de fato progressistas, capazes de impedir que a escolha seja entre o muito ruim e o muito ruim. Por ora, essa união parece não mais que um desejo ilusório.

LINK PRESENTE: Gostou desta coluna? Assinante pode liberar cinco acessos gratuitos de qualquer link por dia. Basta clicar no F azul abaixo.

  • Salvar artigos

    Recurso exclusivo para assinantes

    assine ou faça login

Tópicos relacionados

Leia tudo sobre o tema e siga:

Comentários

Os comentários não representam a opinião do jornal; a responsabilidade é do autor da mensagem.