José Henrique Mariante

Engenheiro e jornalista, foi repórter, correspondente, editor e secretário de Redação na Folha, onde trabalha desde 1991. É ombudsman

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Folha discute seus limites, enquanto colunistas brincam com eles

Jornal precisa rever a maneira como exerce seu papel no debate público

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A Folha promoveu, na última semana, o anunciado debate com seus jornalistas para discutir os limites do pluralismo. O encontro é uma das primeiras providências tomadas após a crise gerada pela publicação de um artigo de Antonio Risério, em janeiro. O texto provocou indignação e acusações de racismo contra a Folha vindas até da própria Redação.

Um resumo do seminário foi publicado na noite de quarta-feira (2). De forma geral, o jornal reiterou sua defesa irrestrita da pluralidade, enquanto a Redação questionou, entre outros pontos, o fato de o racismo estrutural ser posto na esfera da controvérsia legítima, coisa com que a própria Folha demonstra não concordar. A discussão parece teórica em tempos de linchamento, mas é um exercício necessário.

Reitero a observação feita há duas semanas neste espaço, a de que a Folha sentiu necessidade de trabalhar com uma equipe mais diversa e que isso traz necessariamente novas perspectivas sobre racismo. Acrescento agora a ideia de que o jornal precisa rever a maneira como exerce seu papel no debate público.

Dar espaço ao contraditório é uma coisa, chancelar maluquices é outra. Na terra plana da internet, sem hierarquia, edição e outros tantos recursos que o jornalismo gestou em anos de prática, está difícil separar o que é notícia do que é picaretagem. A Folha não pode fingir que suas cláusulas pétreas (jornalismo crítico, pluralista e apartidário) continuam suficientes. É preciso encontrar outro jeito de cumpri-las em um ambiente digital que as ignora.

Guerra dos mundos

Em coluna publicada na segunda-feira (31), Joel Pinheiro da Fonseca fez uma sátira, como definiu mais tarde, na qual defendia supostos limites à liberdade de expressão. Citou uma série de argumentos que normalmente refutaria, sem nenhuma linha de ponderação sobre estar sendo irônico. O tom histérico do texto deveria denunciar o intuito, mas antes provocou estranheza e, depois, insinuações mais pesadas, como a de cinismo.

Ilustração de Carvall mostra um bloquinho de papel, com espiral, feito em preto e branco. Na capa está escrita a palavra 'jornal'. Algumas folhas de papel saem de dentro dele.
Carvall

Apareceu de tudo um pouco nas mensagens enviadas ao jornal e ao ombudsman, inclusive quem acreditou que Joel tivesse virado a casaca e quem concordou com os termos propostos no artigo-sátira. Leandro Narloch, em sua coluna na sexta-feira (4), chamou a estratégia do colega de pegadinha para quem flerta com o autoritarismo.

A tarefa aqui não é comentar o que foi ou deixou de ser escrito, pois colunistas da Folha gozam da liberdade que tanto discutem. O problema é o modo. Textos irônicos são complicados no ambiente jornalístico e, frequentemente, acabam mal interpretados. Autores de humor verdadeiro, como Antonio Prata, sabem bem como é isso. A coisa piora no mundo plano da internet, onde títulos ocupam temerariamente a função de textos de opinião e reportagem. "A quem interessa a liberdade de expressão irrestrita?", questionava o enunciado de Joel que, convenhamos, pode ser surrado em qualquer direção.

Ainda que fosse entendido plenamente como ironia, o gesto carrega um tom beligerante, o mesmo que percebemos cotidianamente nas redes sociais e deveria ser evitado em uma arena de debates como a Folha. Frequentemente não é, a ponto de Hélio Schwartsman, outro dia, ter sentido a necessidade de saudar a polidez de um contraponto feito a uma de suas colunas.

Leitores da Folha precisam de mais argumentos nestes tempos difíceis e de menos cotovelos.

Degas

De repente a onda vem e leva o que você achava que nunca sairia do seu lado. Perdi amigos na última semana, de maneira abrupta, como se fosse possível imaginar algum caminho suave nesses casos. Ygor Salles, Emerson Figueiredo e Edgard Alves, um dos maiores jornalistas esportivos deste país.

Degas, como o chamávamos, era muito mais do que um colega de Redação para diversas gerações que passaram pelo Esporte da Folha. Era pai, mãe, amigo, confidente, mentor. Era uma rocha, que não se abalava com nada, que estava sempre lá, firme, aguentando o tranco, dando apoio e também sendo duro quando a gente precisava acordar.

Era um repórter olímpico por definição, foi a sete edições dos Jogos, mas encontrava tempo para parar o que estava fazendo e atender a quem o procurava, fosse um de nós, fossem jornalistas de veículos concorrentes, atletas ou cartolas. Quando comecei como foca em Esporte, ficava admirado de estar com ele em alguma cobertura e todos, dentro e fora das quadras, o chamarem com carinho pelo nome. Por respeito, na verdade, que vinha antes da proximidade, pois era jornalista reto.

Degas nos fará muito falta. E ao jornalismo, que, mais do que nunca, precisa das rochas para não ser levado pelas tantas ondas que aparecem.

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