José Henrique Mariante

Engenheiro e jornalista, foi repórter, correspondente, editor e secretário de Redação na Folha, onde trabalha desde 1991. É ombudsman

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Impedimento não marcado

Adesão ao impeachment cresce, mas não espere muito desta Folha

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Desastroso, dado à pirraça, ecocida, demagógico, inoperante, disfuncional, pré-ginasiano, negacionista, indefensável.

Inoperância, sabotagem, tentações populistas, convicções esdrúxulas, viés ideológico, desvario ideológico, bravatas, incúria, asneiras, interesses corporativos, apologia da brutalidade, arruaça, ausência de compostura, irresponsabilidade, desprezo pela precaução, tumulto, corporativismo, saudosismo autoritário, dúvidas descabidas, distorção.

Destrambelhado, pior presidente, adversário ideológico da Constituição.

Não, não é uma nova versão das colunas de Mariliz Pereira Jorge e Ruy Castro. São os adjetivos e, porque apenas estes seriam poucos, os substantivos utilizados pelos textos editoriais desta Folha na descrição de Jair Bolsonaro, de suas atitudes e de seu governo. Apenas os artigos publicados neste mês de junho e até ontem.

Ilustração de Carvall para coluna do ombudsman de 27.jun.2021
Carvall

Não é pouca coisa, em se tratando de conteúdo agregado no site sob o título “o que a Folha pensa”, reflexões de um jornal do qual se espera opinião sóbria, equilibrada, culta e responsável. Talvez seja muito pouco, entretanto, para quem já perdeu a paciência com o “pior presidente da República desde a redemocratização”.

A qualificação está no principal editorial do período, “Para não esquecer”, publicado no último fim de semana, quando o país atingiu a trágica marca de 500 mil mortos pela Covid-19.

Na opinião do jornal, portanto, Bolsonaro é pior do que a impedida Dilma Rousseff, conclusão que servirá tanto aos extremados apoiadores do presidente como a seus detratores mais severos.

Para o primeiro grupo, a Folha, como o resto da mídia nacional, é adversária do presidente e quer derrubá-lo. Para o segundo time, o jornal, por esta ou aquela razão, não faz o suficiente para retirá-lo do poder. O simplismo persiste nos dois raciocínios.

Abundam razões para afastar o presidente, isso não é novidade. Sua falta de educação e despreparo são notáveis, mas os últimos acontecimentos em Brasília agora sublinham, para além dos arroubos ideológicos e atrasos de toda sorte, também indícios de corrupção.

Não seria leviano estimar que esse é o pensamento médio do leitor da Folha. Segundo pesquisa Datafolha de janeiro deste ano, 80% dos assinantes defendem que o Congresso abra um processo de impeachment. Na população em geral, são 49%, de acordo com a última verificação do instituto sobre o assunto, em maio.

De lá para cá, o impacto de meio milhão de mortos, a investigação do Senado e as manifestações organizadas por movimentos sociais e partidos de esquerda podem ter mexido no ponteiro do barômetro contra Bolsonaro. Se tudo isso soar meio “cringe”, como ensinado nos últimos dias, resta o posicionamento contundente de influencers nas redes sociais. Um pedido de impeachment unificado será apresentado na quarta (30) na Câmara.

Está na hora, então, de a Folha começar a se mexer?

A história recente mostra que é melhor esperar sentado. Em 2016, por ocasião de seus 95 anos, o jornal publicou um compêndio do que a Folha pensa acerca de temas da atualidade de então. Como evoluímos pouco, a maioria está em voga, inclusive o do impeachment: “Esse recurso extremo só deve ser usado quando houver não apenas conjunto robusto de provas a indicar que o governante de turno cometeu crime de responsabilidade, mas também amplo consenso político de que não tem condições de permanecer no cargo”.

A parte final do verbete, necessária pelas circunstâncias daquele ano, acabou datada: “Ao menos por ora, tais condições não estão devidamente preenchidas no caso da presidente Dilma Rousseff (PT)”.

Seis meses depois, ela foi apeada do poder, mas a Folha se comportou conforme suas convicções. Em editorial, pediu a renúncia da petista e de seu vice, Michel Temer. Para o impeachment, segundo o texto, sobravam indícios, mas faltava “a comprovação cabal”. “Pedaladas fiscais são razão questionável numa cultura orçamentária ainda permissiva.”

Claro, o jornal foi criticado por não engrossar o coro majoritário, não se posicionar de verdade ou sugerir solução teórica para um problema real.

Aplicada ao desastroso caso de Bolsonaro, a cláusula não escrita da Folha afasta o jornal, pelo menos neste momento, de uma defesa de seu afastamento. Ainda que seja possível enquadrar o presidente em algum crime de responsabilidade, e a CPI e os irmãos Miranda estão aí para isso, falta o “amplo consenso político” para processá-lo. Por enquanto, o país parece longe disso, dado que vive a era geológica Arthur Lira.

Como escreveu Pablo Ortellado em O Globo, no atual estado das coisas, perseguir o impeachment soa como um imperativo moral.

Quem sabe seja essa a única solução teórica da vez.

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