José Henrique Mariante

Engenheiro e jornalista, foi repórter, correspondente, editor e secretário de Redação na Folha, onde trabalha desde 1991. É ombudsman

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Tóquio-2020 celebra o jornalismo antipandemia na primeira pessoa do plural

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Tarde da noite no Parque Olímpico da Barra. Jornalistas e fotógrafos se amontoam no circular que leva ao portão de saída, de onde a jornada continua em outro ônibus até as vilas de mídia e os hotéis. Vinda do banco de trás, a voz soa familiar. Um sujeito grande, ao lado de um bem menor, fala com desenvoltura, relatando o que parece ter sido seu dia de trabalho cheio de entrevistas.

A ficha cai rápido, o grandão é aquele ex-nadador tornado comentarista na Rio-16. Sua voz alta destoa do silêncio cansado da maioria e de um polido diálogo em alemão de colegas de uma agência de notícias. “Nossa, incrível”, diz em determinado ponto o sujeito menor, assistindo a um vídeo no celular. “Quando apareceu na minha frente falei: ‘Vou fazer esse aí chorar’. E o cara chorou”, explica o ex-nadador sobre sua performance de repórter com vaidade.

O episódio de há cinco anos volta à memória na manhã de sexta (30). Na TV, a repórter do SporTV pergunta a Tamires, da seleção de futebol, sobre a promessa feita ao filho de trazer a medalha que não vem mais, pois o time acaba de ser eliminado. “Ele tem orgulho de você”, afirma a jornalista, meio que para justificar a pergunta. A lateral, até ali séria e equilibrada, não segura as lágrimas, mas vai direto ao ponto: “Você gosta de fazer chorar, né?”. E emenda a resposta com uma frase de intimidade ou ironia, difícil precisar: “Sua filha também está orgulhosa de você”.

Ilustração Carvall para coluna ombudsman de 01 de agosto de 2021. Nela dois pictogramas pretos correm um dele com microfone na mão.
Carvall

Tóquio-2020 são os Jogos da pandemia e dos nervos à flor da pele. Os tempos difíceis aproximam os envolvidos, justificam a condescendência. No estádio esvaziado pela peste, os aplausos para Rebeca Andrade vêm dos jornalistas e das delegações, único público presente, relata a Folha. Em Tsurigasaki, o repórter da Globo chora junto com o primeiro campeão do surfe, Italo Ferreira. A voz embargada ganha a aprovação das redes sociais, nossa nova bússola moral, no bom ou no mau sentido.

Pelas redes ficamos sabendo da disputa entre as estrelas do street, o mais novo dos esportes nacionais; da discussão sobre o peso de Rebecca, do vôlei de praia; do barraco virtual entre a goleira Bárbara e uma atleta paraolímpica; dos inúmeros testes de resistência das camas de papelão reciclável da Vila Olímpica; do test-drive de privada eletrônica transmitido pelas meninas do skate park no Tik Tok.

O gigantesco evento tem 10 mil atletas e centenas de entidades produzindo conteúdo próprio sem parar. O jornalismo profissional, limitado pela bolha montada para conter a Covid-19 no Japão e por equipes resumidas, é mais passageiro do que nunca.

Os tempos são outros. É possível desistir da competição e ser celebrada pela coragem de tomar essa atitude, mostra Simone Biles; é possível festejar a não necessidade de maiô na ginástica; é possível ver Marta comemorando gol com recado para a namorada. Tóquio são os Jogos da saúde mental, das mulheres e da diversidade. De Jornal Nacional relatando medalhas com trilha sonora, música de suspense e consagração. De repórteres usando a primeira pessoa do plural, vamos conquistar mais uma, vai lá, Time Brasil. Um suando, o outro segurando o microfone.

Nada de novo, mas com pandemia, haja coraçãozinho.

É o frio

O inglês The Guardian, em 2019, fez uma série de alterações editoriais relacionadas à cobertura do clima. A ideia era mudar radicalmente o tom do jornal, levar a sério a ameaça ao planeta. O ameno “mudança climática”, por exemplo, foi trocado por termos mais graves, como “crise” e “emergência do clima”. Imagens de onda de calor na Europa? Esqueça a foto da jovem se refrescando no chafariz em Roma, prefira o registro do incêndio florestal em Portugal. Parecem detalhes, mas é neles que uma mudança de cultura mora.

A gelada semana que passou propôs desafio semelhante aos diários brasileiros. Neve de turista no Sul sempre é notícia, assim como a preocupação com a população de rua em São Paulo. Ao cardápio, desta vez, somaram-se fortes geadas no Sul e no Sudeste.

A Folha escapou da festa na serra gaúcha com uma imagem de plantação de hortaliças sendo envelopada no Paraná em sua Primeira Página de quinta (29). O estrago deve afetar abastecimento e preços.

Se escolher a foto não foi problema, discutir a onda de frio à luz da crise climática não foi prioridade para quase ninguém. Um dos poucos a se debruçar sobre o tema foi o braço local de uma agência estrangeira, a BBC Brasil. A discussão é modesta também na crise hídrica e pouco se explorou o absurdo da privatização da Eletrobras prever 8 GW de termelétricas a gás natural.

Claro, tudo isso parece preciosismo diante de uma Amazônia queimando e de um governo delinquente ambiental. Como mostra o Guardian, no entanto, mudar de rota é não prescindir nem dos detalhes.

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