José Henrique Mariante

Engenheiro e jornalista, foi repórter, correspondente, editor e secretário de Redação na Folha, onde trabalha desde 1991. É ombudsman

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A confusão geral da República

Entrevista de Aras sintetiza o teatro do absurdo em que se transformou o país

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Vai ser muito difícil explicar a dinâmica destes tempos confusos para alguém no futuro. O registro histórico parece diluído em frases e atos desconexos. Clássico do Twitter, já usado para descrever inúmeros momentos deste país, o quadrinho do gibi da Mônica com os personagens correndo e gritando "O que está acontecendo? O que está acontecendo? Eu não sei, eu não sei" é uma espécie de sensação permanente para quem insiste na leitura de jornais e sites noticiosos.

Não por falta de informação, a imprensa em geral é competente, mas pelo excesso dela.

Como descrever, por exemplo, que o procurador-geral da República, alvo de notícia-crime no Supremo Tribunal Federal por sua conduta em linha com Jair Bolsonaro, defende a urna eletrônica, em contraposição ao fetiche golpista do presidente pelo voto impresso.

Ou explicar que Augusto Aras se diz representado por seus subprocuradores, a ponto de assumir suas decisões, mas que quando um deles defende uma ideia esdrúxula, como a de que falta comprovação científica ao uso de máscara, a independência funcional fala mais alto. A maioria das reportagens que saem com Aras "não foi Aras", disse o próprio aos repórteres Marcelo Rocha e Matheus Teixeira, desta Folha, em 13 minutos bem gastos de entrevista na quarta-feira (18).

Ilustração carvall para a coluna do dia 22 de agosto de 2021. Nela figuras geométricas retangular e quadrado na cor pretos, estão  na horizontal um circulo amarelo e um pictograma na cor azul, esta em movimento de continência,
Carvall

Se a ambiguidade do PGR é calculada, como analisar então o comportamento de Lindôra Araújo, a subprocuradora-geral que preteriu a eficácia da máscara em favor do presidente e, dois dias depois, pediu busca e apreensão contra o grupo formado por Sérgio Reis, o deputado Otoni de Paula e outros tantos que "podem atentar contra a democracia" no Sete de Setembro? O fato foi destacado em título em O Globo, mas não na Folha.

Razões de Bolsonaro

Relatório da Human Rights Watch mostra que Jair Bolsonaro bloqueou 176 perfis de jornalistas, veículos, políticos e críticos em suas redes sociais. A prática compromete a liberdade de expressão, a mesma que o presidente pede para quem prega a queima de tribunais. Donald Trump fez igual, mas foi contido pela Justiça nos EUA. De lá veio também a inspiração de detratar o jornalismo profissional e difundir desinformação, constatou a Polícia Federal ao pedir ao TSE a suspensão da monetização dos sites investigados por fake news, revelou o Painel.

Razões do Judiciário

Se sobraram análises e opiniões sobre o comportamento leniente da PGR na era Bolsonaro, faltou neste jornal esforço equivalente em direção ao Judiciário, mais unido do que nunca. No espaço de uma semana, o presidente ameaçou e levou a cabo o pedido de impeachment de Alexandre de Moraes no Senado e ainda achou tempo para exigir do Supremo revisão de artigo do regimento da própria corte --o que permite a instauração de inquérito de ofício, sem a participação do Ministério Público.

Nada disso vai prosperar, mas sublinha a disposição do mandatário contra o tribunal que lhe tolhe diretamente. Ocorre que a magistratura brasileira estaria se sentindo atingida por inteiro, segundo a hipótese mais interessante publicada sobre o tema, no Valor Econômico, na quinta (19). Em poucas palavras, juízes de várias instâncias do país foram alertados durante recente seminário sobre o destino de colegas de toga na Polônia, na Hungria e na Turquia, onde a democracia anda a passos largos para trás: de fake news patrocinada pelo governo à prisão, passando por bens espoliados.

Razões do mercado

Se Bolsonaro nunca teve o Judiciário, na última semana ele e o ministro Paulo Guedes também perderam o mercado. A PEC dos precatórios foi bombardeada por todos os lados, a bolsa caiu, o dólar disparou e os juros futuros alcançaram dois dígitos. O presidente do Banco Central, acuado por investidores e banqueiros, declarou que o "governo tem que passar uma mensagem responsável sobre qual será a trajetória fiscal daqui para frente".

Enquanto Bolsonaro falava de "fé e crença" contra a crise em uma Assembleia de Deus no Pará, Affonso Celso Pastore descascava o governo em entrevista para O Estado de S.Paulo na quinta (19). "Acabou a euforia. A perspectiva para 2022 é muito ruim." A conclusão do economista sobre o ano eleitoral não é nada boa: com inflação e desemprego em alta e sem dinheiro para atitudes populistas, ou seja, sem votos, o presidente pode fazer o que já ameaça desde sempre, uma ruptura institucional.

A Folha chegou um pouco mais tarde ao assunto e ao mesmo Pastore.

Para completar o cenário, a reforma do Imposto de Renda deu tantas voltas na Câmara que até Guedes já fala em desistir do projeto. É só com ele que se cria espaço fiscal para o novo Bolsa Família, esperança eleitoral bolsonarista. Ou seja, volte dois parágrafos.

Chega de notícia? Ainda tem Mendonça, delta, talibã...

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