José Henrique Mariante

Engenheiro e jornalista, foi repórter, correspondente, editor e secretário de Redação na Folha, onde trabalha desde 1991. É ombudsman

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Onde você estava no 7/9?

Jornalismo vai levar um tempo para explicar o que ocorreu na última semana

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Sete de setembro foi o dia em que dom Pedro 1º, às margens plácidas do Ipiranga, em cima de um cavalo branco, levantou a espada e bradou "independência ou morte". Ou, como também sabemos, o dia em que ele teve uma diarreia à beira do riacho, sem uniforme de gala e montado numa mula. Ou ainda, como aprendemos na última terça-feira, o dia em que Jair Bolsonaro tentou, ao que tudo indica, dar um golpe de Estado. Ou em que apenas sentiu se tinha vento a favor. Ou em que foi inconsequente.

Mesmo que a história mostre mais tarde que o presidente apenas se deixou levar pelo calor do momento, a turma que de fato suou e se arriscou a pegar Covid-19 na Esplanada e na Paulista tinha certeza de qual era o objetivo das aglomerações. O mesmo que os mercados entenderam como risco óbvio de instabilidade, com disparada do dólar e debandada de recursos da Bolsa. Mercados não são patriotas.

Ser uma espécie de primeiro narrador daquilo que um dia vai virar história imputa enorme responsabilidade a jornalistas. É preciso equilíbrio para não embarcar em versões interessadas nem menosprezar fatos que se revelem importantes no decorrer da apuração.

Os principais veículos de imprensa fizeram o trabalho possível na última semana, com erros e acertos. Entre estes, o editorial de capa "Bolsonaro é o perdedor", no impresso de terça-feira, quando a Folha delineou o repúdio que a sociedade brasileira manifestaria a despeito da dimensão a ser alcançada pelos atos golpistas.

Ilustração do Palácio do Planalto visto de frente, com uma fumaça saindo da rampa de acesso
Carvall

Restam lacunas, naturalmente. Faltou explicar muita coisa, mesmo pulando a parte sobre ter sido ou não uma tentativa de golpe. O curioso nessa discussão é que a esquerda atesta que ele está em curso, da mesma forma que a direita ainda o aguarda. Somando as duas posições, não há dúvida.

Sobre antes da manifestação, há muitas. Quem pagou a conta para movimentar tanta gente? CNN Brasil diz que Alexandre de Moraes investiga o financiamento dentro do inquérito das fake news. De quem são as transportadoras que mandaram caminhões para Brasília? Folha e outros tentam identificar os responsáveis. Luiz Fux cogitou mesmo pedir uma GLO (Garantia da Lei e da Ordem) na noite de segunda-feira? BBC Brasil e Valor relatam que assim o ministro do Supremo tirou da inércia as forças de segurança do Distrito Federal após a PM local ceder a manifestantes.

Quanto custou o feriado movimentado do presidente e de aliados, os helicópteros, a segurança? A essa questão, é claro, compete a um governo transparente responder.

Qual era a intenção ao chamar o Conselho da República? Acharam um nome pomposo, como o Rolls Royce? Mais importante, em que momento da quarta-feira o caldo entornou? Até a reunião com ministros, Bolsonaro se mantinha resoluto. Segundo a Folha, foi na hora em que ele percebeu que o desembarque de aliados no Congresso era factível. Para o Valor, foi na hora em que recebeu tal informação de Arthur Lira e depois de interlocutores serem inundados com telefonemas de pesos pesados do PIB.

Por que Michel Temer entrou na novela? Por que é próximo de Moraes, seu indicado ao STF, ou por que faltou combinar com os supostos caminhoneiros a parte em que o golpe não acontece? "Essa greve vai cair diretamente no seu colo", disse o ex-presidente, segundo relato dele ao Estadão.

O que vamos lembrar sobre essa conturbada semana daqui a 20 anos? O grande susto ou a parte inicial do roteiro traçado em "Como as Democracias Morrem", de longe o livro mais citado pela mídia nacional nos últimos tempos?

Onde você estava há 20 anos no 11/9? Estava trabalhando como um louco, sem a mínima ideia do que poderia acontecer no dia seguinte.

Os patriotas

"Quando a Covid-19 chegou e assolou o planeta, ele assinou todos os cheques necessários e liberou bilhões de reais para minimizar o sofrimento do povo brasileiro. Deu liberdade para todos os ministros e pastas agirem no sentido de realizar as ações para combater a pandemia."

"Mesmo com parte da imprensa tentando minimizar sua relevância, as manifestações que lotaram as ruas do país no dia 7 de setembro foram impressionantes. A avenida Paulista, com 14 caminhões espalhados, ficou lotada. Em Brasília, nunca houve tanta gente ocupando a Esplanada dos Ministérios."

"Quando os ministros se incumbem da tarefa de determinar o que é fake news ou 'anticientífico', sem haver nas leis nacionais um parágrafo dizendo que a sociedade cedeu ao Estado o direito de determinar o que é científico, o STF perde respeito e gera ódio."

Os trechos acima não saíram de alguma corrente bolsonarista no Telegram, mas de colunas de opinião publicadas pela Folha na última semana. Leitores procuraram o ombudsman para reclamar.

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