José Henrique Mariante

Engenheiro e jornalista, foi repórter, correspondente, editor e secretário de Redação na Folha, onde trabalha desde 1991. É ombudsman

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A Folha é racista?

Jornal insiste em equilibrar pratos demais diante de seu público

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Não, a Folha não vai eliminar Leandro Narloch de seu quadro de colunistas. Apesar de o ombudsman não participar desse tipo de decisão, entenderei perfeitamente se a leitura for interrompida já neste parágrafo para cancelar a assinatura, apagar o aplicativo ou rasgar o jornal.

Se você já fez tudo isso, mas deu um jeito de continuar lendo este texto, prossiga ciente de constatações óbvias: a Folha não é dada a arroubos, esqueça qualquer atitude rápida ou prática; o jornal sabe muito bem o papel que Narloch ocupa na discussão pública e tinha pleno conhecimento dos riscos embutidos ao trazê-lo de volta. Aqui não há novidades.

Seria apenas outra rusga entre articulistas ou emissores de opinião, exercício que este diário adora abrigar, não fosse um elemento importante que sobressai nas tantas críticas ao jornalista acusado de racismo. Ele é um alvo subsidiário. O problema mesmo está na Folha, que parece não ter entendido direito o que aconteceu na última semana.

Para quem chegou de Marte agora, Narloch fez o que faz sempre, transformar exceções em regras. Em sua primeira coluna nesta segunda vida de Folha, relativizou a crise climática. Na última, ao resenhar um livro sobre "sinhás pretas", que compraram a liberdade e se tornaram comerciantes ricas, ele relativizou "o horror da escravidão", nas palavras do escritor Itamar Vieira Junior. O colunista Thiago Amparo reagiu sem poupar o fígado. "Folha, por que ainda precisamos nos masturbar coletivamente com a relativização da dor preta?"

Itamar novamente: "Ao destacar na chamada do artigo de Leandro Narloch que 'luxo e riqueza das sinhás pretas precisam inspirar o movimento negro', o jornal debocha de um trauma coletivo e ultraja a memória do movimento negro". "Não dá para defender a democracia e continuar publicando versões falseadas da escravidão apenas para adocicar o racismo e colecionar likes", escreveu a doutora pela Unicamp e professora da UFBA ​Wlamyra Albuquerque no Tendências / Debates.

Ilustração Carvall para coluna do Ombudsman publicada no 3 de outubro de 2021.
Carvall

"Há, nos movimentos negros, a discussão a respeito da recente onda de diversidade nos meios de comunicação. Há a tese de que negros são usados para confirmar espécie de selo antirracista a instituições que, na prática, não irão deixar de exercer o discurso que sempre exerceram", escreveu Dodô Azevedo, do blog Quadro-Negro, salientando que isso ocorria antes mesmo do texto de Narloch ser publicado pela Folha.

Amparo: "O que está em jogo é se a pluralidade que este jornal preza inclui racismo".

Perceba, o questionamento do time de colunistas negros do jornal não é se Narloch foi ou é racista, mas como a Folha pode dar guarida a uma opinião racista. O preconceito não é mais do jornalista, é do jornal que o acolheu. O mesmo jornal que montou uma editoria de diversidade, fez um trainee para jornalistas negros e que contratou essa turma acima por entender que isso era importante, que a Folha precisava de novos horizontes e públicos. Faltou combinar os limites da pluralidade? Não teria essa nova Redação outros limites? O jornal não imaginou que abraçaria um universo com tolerâncias diversas?

A Folha fez isso na pandemia. Encheu-se de articulistas médicos, infectologistas e outros para falar de Covid-19. Nenhum negacionista, por óbvio. Ao permitir o anúncio de médicos do gabinete paralelo bolsonarista, bancados, soube-se depois, por laboratório que faturou milhões com o "kit Covid", o jornal apanhou feiamente. Faltou coerência?

Wlamyra mais uma vez: "Decidam-se leitores sobre a coerência e o compromisso com a ciência do maior jornal em circulação no país". Racismo e cloroquina não são questões de opinião, mas de ciência.

Uma enxurrada de mensagens chegou ao ombudsman. À Secretaria de Redação enviei três perguntas tentando abarcar o grosso das críticas. Volte ao primeiro parágrafo para reler a primeira resposta.

A segunda resposta: "O jornal não concorda com o que o colunista escreveu. As opiniões da Folha são expressas unicamente em seus editoriais e com grande frequência divergem de manifestações de colunistas e blogueiros".

A terceira resposta: "O pluralismo é pilar do projeto do jornal, como defendido e explicado no Manual da Redação (págs. 22 e 87). Além disso, a Folha acredita na maturidade da sociedade brasileira e do seu leitorado para lidar com o amplo espectro de opiniões que circulam no país e nas nossas páginas. A melhor resposta para um ponto de vista que repudiamos é a publicação do contraditório na arena pública. É dentro dessa perspectiva que o jornal faz a escolha de seu time de 202 colunistas e blogueiros, constantemente reavaliado em relação ao que agrega de qualidade e em relação ao que é oferecido ao leitor da Folha".

Registre-se, então, que o prato oferecido na última semana foi amplamente rejeitado.

Erramos: o texto foi alterado

Wlamyra Albuquerque é doutora pela Unicamp e professora da UFBA, não professora da Unicamp, como descrito em versão anterior deste texto.

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