José Henrique Mariante

Engenheiro e jornalista, foi repórter, correspondente, editor e secretário de Redação na Folha, onde trabalha desde 1991. É ombudsman

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A consciência relativa da Folha

Jornal se abre à diversidade, mas resiste a apoiar uma política que já pratica

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Pluralismo é uma das palavras do ano, pelo menos no dicionário Folha. Nunca o jornal se agarrou tanto a um dos pilares do seu projeto editorial. Nunca apanhou tanto por causa dele também. São tempos de exceção, ameaças à democracia, patrulha e lacração. Ainda assim, o jornal não se furta a abrir espaço ao contraditório, arcando com o custo de ser classificado por toda sorte de adjetivos, de negacionista a racista, de partidário a homofóbico, de elitista a o que for. Não importa o que fez ou deixou de fazer, haverá marca a lhe carimbar o nome.

O problema, no entanto, não é quando o contraditório está nas janelas abertas a opinadores, mas sim quando habita a própria Folha. Neste fim de semana de Consciência Negra, a posição do jornal diante das cotas raciais é o maior deles. Está na página "O que a Folha pensa": "O jornal não apoia a reserva de vagas no ensino ou no serviço público a partir de critérios raciais. Considera, porém, que são bem-vindas experiências baseadas em critérios objetivos, como renda ou escola de origem".

Dado que a Folha é um jornal liberal, qual seria a contradição? O diário que é contra as cotas raciais promoveu neste ano ação afirmativa sem precedentes, um programa de trainees exclusivo para negros, alguns deles beneficiários da política afastada. É o mesmo também que modificou a composição de seu conselho editorial para refletir melhor o país; o que conta com uma editoria de diversidade; o que publica um índice próprio de equilíbrio racial; o que reúne mais colunistas negros, vozes que frequentemente criticam as atitudes do próprio veículo.

"O jornal tem feito debates internos, mas não há previsão de editorial sobre esse tema", afirma o diretor de Opinião, Gustavo Patu. Para quem também precisa debater, vale a leitura do artigo do professor Renato Janine Ribeiro, presidente da SBPC, publicado em Tendências / Debates na última semana. Seu objeto é o Enem, mas está lá a mais simples explicação das cotas: o aluno de escola pública que sofreu com o ensino remoto emergencial vai concorrer com seus pares, que igualmente sofreram, por 50% das vagas. As cotas raciais estão dentro desse grupo e emparelham oportunidades não apenas de quem sofreu mais na pandemia, mas por toda a vida em um país racista. Se é fácil neste momento entender o prejuízo acumulado em um ano, imagine o de séculos.

Ilustração de Fernando Carvall, em 21/11/2021, mostra close em olhos sérios de uma pessoa negra
Carvall

A Lei de Cotas, após uma década de vigência e resultados, terá que ser revisada e, por que não, aprimorada pelo Congresso no ano que vem, em plena disputa eleitoral. Seria oportuno, portanto, que a Folha encampasse a teoria do que já executa na prática.

Lula lá

Enxurrada de mensagens enviadas ao ombudsman cobrou da Folha acompanhamento adequado do périplo de Luiz Inácio Lula da Silva pela Europa. O jornal e boa parte da "mídia comercial", conforme uma das críticas, escondeu o sucesso da jornada do petista nos últimos dias, recebido com aplausos no Parlamento Europeu, com batucada na Sciences Po e com honrarias de chefe de Estado no Palácio do Eliseu.

O jornal de fato foi modesto na cobertura, valendo-se de reportagens de parceiros europeus, como Deutsche Welle e BBC Brasil. Exceção feita à coluna Toda Mídia, apenas na quarta-feira (17) a Folha produziu material próprio sobre a viagem, na verdade um texto de opinião de Mathias Alencastro, reproduzido no impresso do dia seguinte. Pouco para os leitores queixosos, muito pouco para os adeptos da pré-candidatura petista.

A calibragem parece ainda pior quando contrastada com o farto noticiário das prévias do PSDB, "que vão decidir quem leva 1% dos votos", de acordo com outra crítica, e o anúncio de Sergio Moro sobre a invocação de Affonso Celso Pastore como guru econômico. Se a Folha não comprou a importância da viagem de Lula, o presidente Jair Bolsonaro acusou o golpe e, ainda no Qatar, refutou as tantas comparações de seu giro pelo Oriente Médio com o tour europeu do maior adversário.

Curiosamente, saiu da Folha o principal fato eleitoral envolvendo Lula neste mês, a possibilidade de uma chapa heterodoxa com o ex-governador e futuro ex-tucano Geraldo Alckmin. Ainda que balão de ensaio, movimentou o antecipado cenário eleitoral, que vai dar muito trabalho aos jornalistas e, tudo indica, gerar enorme turbulência neste país já tão desconjuntado.

Lula merecia mais atenção, é evidente. A conversa sobre Venezuela que teve com Josep Borrell, alto representante da União Europeia para o exterior, pede mais apuração, assim como seus planos para controle e tributação da internet, citados em entrevista na Bélgica. O petista não é mais um ex-presidente em atividade, mas sim o principal candidato do pleito de 2022 até aqui.

Tudo o que faz ou deixa de fazer interessa.

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