José Henrique Mariante

Engenheiro e jornalista, foi repórter, correspondente, editor e secretário de Redação na Folha, onde trabalha desde 1991. É ombudsman

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Clima, blá-blá-blá e a imprensa

Se a ameaça ao planeta é real, por que os jornais não compram a briga?

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Artigo no Columbia Journalism Review comemora o fato de os principais veículos da imprensa americana terem acordado para a crise do clima, com coberturas robustas nos primeiros dias da COP26, a conferência da ONU para o assunto, que acontece neste momento em Glasgow.

Daria para escrever algo parecido sobre a imprensa brasileira? Sim, se por cobertura robusta ficar entendido um número maior de reportagens, correspondentes deslocados para o encontro, seções especiais em sites e cadernos dedicados ao tema nos impressos. Não, não dá para dizer que os principais jornais do país excederam o figurino até aqui. Há tempo ainda, o encontro vai até sexta-feira (12).

O despertar americano, segundo a análise, se dá por várias razões, a começar pelo fato de o evento ter começado logo depois, e a duas horas de avião, do encontro do G20. Os líderes que estavam em Roma seguiram naturalmente para a cidade escocesa. A exceção foi Jair Bolsonaro, que preferiu esticar a permanência na Itália, participar de eventos patrocinados pela ultradireita e deixar que jornalistas fossem agredidos —para ser justo no registro, Xi Jinping e Vladimir Putin nem saíram de casa.

Outro motivo para aprimorar a cobertura do setor teria sido o protesto semanal liderado por jovens de várias nacionalidades, iniciado por Greta Thunberg há pouco mais de três anos. Políticos e colunistas em geral não são fãs da sueca, que arrasta multidões de adolescentes, ativistas amadores e profissionais, idosos e toda sorte de gente, a cada sexta-feira, em diversos cantos do planeta.

A pirralha, como Bolsonaro uma vez a descreveu, descascou a conferência e os participantes em discurso na última manifestação, no centro de Glasgow. "Muitos se perguntam quando as pessoas no poder vão acordar, mas vamos ser claros: elas já estão acordadas, sabem exatamente o que estão fazendo. Isto não é mais uma conferência do clima. Isto agora é um festival global de 'greenwashing'. Duas semanas de celebração do 'business as usual' e blá-blá-blá."

Ilustração Carvall Ombudsman referente a coluna do dia 07 de novembro de 2021. Nela uma árvore seca, a letra F pendurada, no solo letras do alfabeto da cor preta com o fundo marrom. Ao lado esquerdo o sol alaranjado.
Carvall

Jornalistas apanhamos também. "Repetidamente, a mídia falha ao não responsabilizar quem está no poder."

Se à leitora ou ao leitor soa exagerado imaginar tanta força em uma garota, é bom lembrar que europeus e americanos, em geral, levam Greta e sua turma muito a sério. Ouvir alguém da geração dela, de consciência ambiental mais aguçada, também pode ajudar na compreensão do fenômeno.

Sejam quais forem as razões da mídia americana, à brasileira elas não faltam, a começar pelo percalço adicional de ter que lidar com um governo e autoridades abertamente negacionistas e, agora, diversionistas. Da noite para o dia, o país estabelece metas e assina tratados sem explicar como irá cumpri-los. "O como fazer é questão interna nossa", declara Hamilton Mourão. "Agora nós entramos de cabeça", afirma Paulo Guedes. Só falta Bolsonaro anunciar que vai proibir carne vermelha na cozinha do Planalto.

"Greenwashing" é isso, para quem sentiu falta de uma explicação quatro parágrafos atrás. Fazer uma maquiagem verde, sem explicar como será sustentado o compromisso assumido. Propaganda enganosa, em suma. O governo brasileiro, por si só, já justifica a descrença e a raiva de Greta.

Com tanto a esclarecer, é de se perguntar por que a imprensa brasileira não entra de vez na briga. Talvez seja muito esperar que algum jornal brasileiro resolva de repente virar um The Guardian, que assume um jornalismo ativista, impondo-se uma série de compromissos ambientais, inclusive o de cortar já 30% das próprias emissões e ter como meta eliminar dois terços delas em 2030, e que se dá ao luxo de recusar, desde o ano passado, anúncios de companhias que exploram combustíveis fósseis.

Na crise atual, é difícil imaginar um veículo de imprensa no Brasil recusando comerciais da Petrobras. Mas qualquer um deles poderia debruçar-se sobre a estatal para entender o que seu plano estratégico (não) prevê diante da projetada descarbonização da economia mundial ou sobre as tantas reservas em seu poder que vão se tornar ociosas.

Da mesma forma, lançar luz sobre as forças que movem o lobby do carvão em Brasília, emplacam jabutis em quase todos os projetos relacionados à energia no Congresso e fazem o governo brasileiro não assinar um tratado sobre a erradicação do combustível.

Agronegócio, metano, terras indígenas, garimpo ilegal, obsolescência da indústria nacional, SUVs, consumo exagerado. Sobram pautas, faltam braços, mas falta iniciativa também.

Enquanto um jornal como a Folha permitir, como no último domingo (31), que seu especial de ESG, ainda que legítimo, tenha cinco vezes o espaço dedicado à discussão da COP26, Greta terá razão sobre estarmos mais preocupados com o blá-blá-blá.

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