José Henrique Mariante

Engenheiro e jornalista, foi repórter, correspondente, editor e secretário de Redação na Folha, onde trabalha desde 1991. É ombudsman

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As fantasias de Moro e da mídia

Folha contribui para a percepção de um novo Collor, mas novela no ar é outra

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A mídia nacional aderiu à pré-candidatura de Sergio Moro à Presidência. Essa é a última certeza das redes sociais e de parte do público que persevera na leitura desta Folha. O ex-juiz e ex-ministro, que legou ao país a maior operação contra a corrupção da história, assim como o termo "conge" ao léxico, é a terceira via que o mercado tanto deseja, o último herdeiro da linhagem antissistema que já nos brindou com luminares do quilate de Jânio Quadros, Fernando Collor e Jair Bolsonaro, mas isso é detalhe. Moro é o nome que pode tirar o atual presidente do segundo turno em 2022 e derrotar o verdadeiro antípoda, Luiz Inácio Lula da Silva.

Nada disso se sustenta, mas é como muitos leitores percebem o momento. Lula lidera as pesquisas e, pelo último levantamento, fatura a corrida no primeiro turno. Ganha de todos, inclusive de Moro, em simulações de segundo turno. A enorme vantagem petista seria condição suficiente para um conluio, seja qual for.

Collor e o famoso debate editado no Jornal Nacional chegaram a ser lembrados na última semana. Revejo sem querer outra edição do noticiário da TV Globo, a do dia depois da posse em 1990. Collor anuncia seu trágico plano econômico logo pela manhã diante das câmeras e vai a pé ao Congresso, ladeado por ministros, o primeiro presidente a fazer isso. Lembra alguém? Collor também adorava motocicletas.

Moro é um personagem mais complexo. Comporta-se como um ser não político, como se ainda fosse o sisudo magistrado que encarnava lá atrás, fonte de informação e intransigências. As aulas de dicção e o paletó sem gravata são novidades para atender ao grande público. Com os repórteres, a coisa continua como antes, difícil. Reler os diálogos da Vaza Jato pode ser pedagógico.

À direita, Moro é uma espécie de cavalo de Troia, alguém que se vende conservador, mas na verdade é de centro, um traidor, conta-me um observador dessa turma. À esquerda, mais óbvio, ele é o juiz parcial, algoz de Lula. Pelos dois lados, é um projeto de poder a que políticos já se dobram com repentina naturalidade. Há pouco mais de um mês, Moro era praticamente um nome inviável em Brasília, persona non grata no Congresso, com muitos calos provocados pela Lava Jato a evitar. Dias depois, a dificuldade passou a ser o seu discurso limitado. O combate à corrupção é bom, mas não é tudo; o que saberia ele de economia? Na última semana a discussão já era com quem o "idiota", como foi chamado por Bolsonaro, pode compor uma chapa, progresso notável no roteiro de um aprendiz.

Ilustração de Carvall mostra desenho do pré-candidato a presidente, ex-juiz e ex-ministro Sergio Moro. É desenhado com traços cubistas e está vestido com uniforme do Capitão América. Ele está bem no centro da cena, olhando em direção ao leitor. A roupa é, em sua maioria, azul, mas os braços e o peito são brancos. No centro do peito, três listras verticais vermelhas. As luvas e botas também são vermelhas. A mão direita aparece com o punho fechado e, a esquerda segura um escudo com listras circulares vermelhas e brancas. No centro azul do escudo está estampada a balança símbolo da Justiça. Sergio Moro parece estar com um rabo azul amarrado a um pedaço de tronco, também azul, fincado no chão.
Carvall

O presidente acusou o golpe de seu ex-ministro, e alguns comentaristas não esconderam a torcida. Na Folha, quem rasgou a fantasia foi Catarina Rochamonte, que registrou em artigo para Ilustríssima, publicado no impresso de domingo (5), uma conversa com o agora presidenciável. O primeiro parágrafo mostra a que veio o texto: "Com as qualidades da clareza e da objetividade, o livro de Sergio Moro 'Contra o Sistema da Corrupção' percorre corajosamente o campo minado da batalha travada enquanto ele era juiz da 13ª Vara de Curitiba, responsável pela Operação Lava Jato".

Não se discute colunista expressar opinião, desde que o faça de modo responsável em espaço apropriado, em sua coluna ou em Tendências / Debates, por exemplo. Outra coisa, bem diferente, é se propor a escrever um artigo em formato de análise, entrevista ou reportagem, em que não deveriam caber apologias. Com a devida vênia à autora, era um resultado previsível. Sua linha de pensamento exposta na coluna semanal da página A2 é bem demarcada. O equívoco, sublinhe-se, é do jornal, que cria um problema para si mesmo e alimenta teorias conspiratórias, como as que iniciam este texto. Ou abre margem para réplicas e tréplicas em busca de audiência, como alguns críticos especulam.

Outra contribuição para o falatório veio dias antes, quando a Folha publicou balanço do Índice de Popularidade Digital da consultoria Quaest, que mede desde 2019 o desempenho das personalidades políticas nas principais plataformas. "Bolsonaro estável, Lula e Moro em alta: veja como está a popularidade digital" foi o título buscável do site. "Bolsonaro fica estável, e Lula e Moro veem alta em popularidade digital" foi o do impresso. Duas chances desperdiçadas de trazer o resultado: Lula, embalado pela tour na Europa, passou Bolsonaro; Moro se descolou um tanto de Ciro Gomes, mas lá atrás no segundo pelotão. Assim fica difícil explicar para quem lê que focinho de porco não é tomada.

Mas, afinal, a mídia está com Moro? Parte dela sempre esteve, isso é fato, mas o que há, não apenas na imprensa, é uma inegável empolgação com qualquer um que possa tirar Bolsonaro da corrida, ainda que Lula sobre no final.

A Folha, enquanto isso, continuará escorregando nas próprias cascas de banana.

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