José Henrique Mariante

Engenheiro e jornalista, foi repórter, correspondente, editor e secretário de Redação na Folha, onde trabalha desde 1991. É ombudsman

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Duvide, cheque, recheque e vote

Eleições deste ano no país vão entupir celulares e redes sociais de mentiras

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A Folha nas últimas semanas discute liberdade de expressão. É o direito que sustenta a independência deste jornal, mas é em nome dele também que nossos celulares absorvem e despejam bobagens, das tolas às mais perigosas. Entre as muitas cicatrizes que a pandemia de coronavírus deixará, uma das principais será a certeza de que a desinformação está no meio de nós, com consequências nefastas. Aprendemos que uma mensagem maliciosa pode, por exemplo, provocar a morte de muitas pessoas. Já sabíamos disso, por óbvio, mas foi preciso uma catástrofe planetária para percebermos o quanto atos levianos podem ceifar.

Em crítica interna, na última quinta-feira (27), sugeri à Redação que investigasse os principais propagadores de fake news relacionadas à vacinação infantil. Estava abismado com reportagem do Jornal Nacional que mostrava prefeituras do interior do país constrangendo pais que levavam os filhos aos postos de saúde. Poucas horas depois, a Folha mostrava que a ministra Damares Alves endossara documento da pasta com ataques ao passaporte vacinal e à obrigatoriedade da imunização de crianças. Quem precisa ir aos subterrâneos quando o esgoto corre a céu aberto?

A covid escancarou também outra obviedade que muitas vezes fingimos não entender, por preguiça, ignorância ou má-fé, a de que governantes precisam ser competentes. Centenas de milhares de mortos pesarão sobre Jair Bolsonaro e seus acólitos, como escreveu Drauzio Varella, na próxima eleição ou depois dela. A conta está chegando para populistas no mundo inteiro e até para quem, aparentemente, fazia a coisa certa, que o diga Boris Johnson. Sua foto com bolo de aniversário durante o lockdown, "festa surpresa" na explicação cara de pau do gabinete emparedado, virou piada nos tabloides britânicos.

Seria bom que tal decantação dos fatos prevalecesse, mas a realidade mostra o contrário. Ao menor movimento, o depósito acalmado no fundo se desfaz e volta a turvar o noticiário. Damares é prova viva, falando para os seus, mesmo que isso mais tarde se transforme em um pesadelo judicial. A aposta na confusão é alta.

A dinâmica da desinformação, porém, nem sempre é tão escancarada e demanda estudo. O aguardado processo eleitoral brasileiro é o grande laboratório deste ano, atraindo a atenção de especialistas, plataformas e reguladores do mundo todo. O que ocorrer aqui pode se repetir em qualquer lugar, pois planeta conectado é mais do que um clichê.

Ilustração de Carvall mostra um varal sustentado por duas barras preta. A da esquerda é mais grossa. No fio horizontal, estão vários equipamentos com 'F' azul, da Folha. Da direita para a esquerda: tablet, celular, computador de mesa, notebook e um jornal de papel, com a palavra Folha escrita de cabeça para baixo.
Carvall

Cristina Tardáguila, fundadora da Agência Lupa e diretora do International Center for Journalists (ICFJ), lista algumas observações que deverão estar em curso nos próximos meses. A primeira é se o eixo da desinformação sai dos EUA e vai para o Brasil ou se o português se manterá como barreira à inserção internacional do país. O idioma também testará o preparo das plataformas, que controlam primordialmente conteúdo em inglês.

Outro acompanhamento importante é o da solução a ser encontrada para redes sociais sem representação no Brasil, como o Telegram, que corre o risco de ser banido pelo TSE. "O problema é que existem outras tantas redes em situação semelhante, uma pior que a outra no quesito moderação."

Já as grandes plataformas estarão sob forte escrutínio. "A dificuldade principal aqui é que políticos não podem ser checados e só são punidos se estiverem flagrantemente infringindo as regras internas das redes ou a legislação eleitoral. As empresas prometem controle, mas que controle?"

Exemplo é o botão anti-fake do Twitter, em fase de testes no Brasil. Advogados ouvidos pela Folha temem ações orquestradas contra conteúdo de adversários nas eleições. Do outro lado da corda, grupos organizados de denúncia contra movimentos antivacina já reclamam que o dispositivo não funciona, pois não perceberam ninguém sendo derrubado apesar de seus esforços.

A coisa é complicada e não acabará com a abertura das urnas. "Nas reuniões semanais do grupo de trabalho montado pelo TSE, uma das perguntas mais frequentes feita às plataformas é sobre o que farão se um candidato não aceitar o resultado das eleições. É claro que os membros do tribunal estão com a invasão do Capitólio em mente. Ainda não há processos claros", afirma Cristina.

Até lá, Folha e imprensa em geral terão que trabalhar duro, checar fatos e evitar escorregadas como a do título da Primeira Página do último fim de semana: "Hidroxicloroquina é eficaz, e vacina não, diz ministério". No combate a fake news, lembra um leitor, enunciados precisam ser diretos. E críticos, como esta opção: "Ministério da Saúde contraria ciência e diz que vacina não funciona".

Soa como enxugar gelo, mas chegará o dia em que será como previsão do tempo, tipo veja as mentiras que podem aparecer no seu celular hoje. Não é ficção, já há tentativas.

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