José Henrique Mariante

Engenheiro e jornalista, foi repórter, correspondente, editor e secretário de Redação na Folha, onde trabalha desde 1991. É ombudsman

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A semana do presidente

País desce a ladeira, mas Bolsonaro escapa em ritmo que desafia a imprensa

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Não é fácil cobrir o candidato Jair Bolsonaro. Além da caneta de presidente, que historicamente faz diferença, sua produção de factoides é alta. Em uma semana de jornal, para ficar apenas com a lente da Primeira Página da Folha, três fotos neutras ou positivas (em jet ski, com Alexandre de Moraes e, seu ponto alto, com Elon Musk); nas manchetes, algumas vitórias (decisão do STF contra governadores, privatização da Eletrobras e a parceria com o bilionário, ainda que o acordo seja truque) e um faniquito calculado (a ação contra Moraes).

A Folha tentou fazer sua parte, com manchete sobre o garimpo milionário de pré-candidato pelo partido do presidente e uma importante enquete sobre o risco de golpe. É eloquente, no entanto, o fato de boa parte da sociedade civil se calar no levantamento.

Bolsonaro está cheio de problemas para resolver na reta final de seu governo, que é um desastre, mas tem uma notável habilidade de desviar o foco das atenções. Escamoteia-se do governo ao lamentar preço dos combustíveis, transfere a responsabilidade da inflação para o exterior e mente descaradamente ao falar da Amazônia. De quando em quando repete polêmicas, como a frase racista sobre negros e arrobas, apenas para cansar a audiência. Consegue, assim como muito espaço na mídia.

Não há receita para lidar com manipuladores. Pelo contrário, são eles que parecem seguir a mesma trilha em boa parte do planeta. Faltam 19 semanas para o primeiro turno.

Violência, racismo

É preciso ter estômago para certas coisas do jornalismo. Em março de 2019, uma jornada noturna na Primeira Página ganhou prorrogação aos 45 minutos do segundo tempo com um alerta vindo da Nova Zelândia: atirador mata mais de 50 pessoas em duas mesquitas de Christchurch.

Ilustração em preto, branco e vermelho. Mostra diversos retângulos pretos. Em um deles há uma placa escrito "Saída", um homem vermelho entra nele.
Carvall

Não bastasse a barbárie, o episódio trazia agravante importante, o sujeito não só filmou como transmitiu o massacre. Não era informação de agência, de ouvi dizer ou coisa do Twitter. As imagens chegaram à Redação quase na mesma hora em que a notícia.

Entender o que ocorria obrigava o exercício mórbido de assistir ao filme, inenarráveis 17 minutos de horror e absoluto desprezo pela vida humana. O objetivo não era ver o que dava para publicar, mas ter a certeza jornalística de que era impossível por qualquer coisa no ar. A decisão foi fácil.

Muito se discutiu à época sobre o papel da mídia na propagação de sandices. Redes sociais criaram programas para evitar a disseminação de conteúdos violentos e racistas.

No último fim de semana, um jovem de 18 anos nos EUA, evocando entre outros Christchurch, matou dez pessoas em um supermercado. Em oportuna reportagem, The New York Times encontrou mais de 50 extratos do vídeo de 2019 circulando na internet a despeito do esforço feito para apagá-lo.

Também na lista de inspirações do atirador estava uma teoria racista, naturalizada por políticos republicanos e por Tucker Carlson, âncora conservador (supremacista) da Fox News. A intolerância grassa e é perene na internet.

Talvez nosso esgoto eleitoral não chegue a tanto neste ano, mas é inegável que a questão racial ocupará papel importante nas discussões e nas redes, cada vez mais inflamadas. Haja vista o barulho em torno do comitê de inclusão e equidade criado neste jornal.

Prescindimos de teorias. Aqui violência e racismo ocorrem na prática, dia após dia.

Garcia, Rodrigo

A repressão à cracolândia segue firme em São Paulo. A mudança de endereço apavora moradores do centro e enche o noticiário de imagens impressionantes da degradação humana. O frio polar paulistano piora o problema. A insuficiente mas fundamental rede de apoio a moradores de rua, mais de 30 mil na cidade, perde as referências para a assistência, pois a polícia toca traficantes e dependentes, mas leva de roldão o resto que está ao relento não por vício.

Como exposto na última coluna, é papel do jornal identificar os agentes da notícia e trazê-los ao debate público. Omissão notável da Folha no caso da cracolândia é o governador Rodrigo Garcia, que apenas neste jornal e na propaganda política do PSDB é chamado de Rodrigo. Em duas dezenas de reportagens sobre a ação policial, o nome de Garcia praticamente não aparece. É como se a Secretaria de Segurança Pública, a Polícia Civil e a PM não fossem responsabilidade do estado. Garcia, aliás, não é só governador, mas também candidato, com a velha bandeira de ordem. "Bandido que levantar arma para polícia vai levar bala", disse logo ao assumir o cargo. É óbvio citá-lo e chamá-lo à discussão.

A Folha por muito tempo apanhou por supostamente dissociar o noticiário negativo dos tucanos que ocupavam o Bandeirantes, pecha que amainou nos últimos anos, notadamente na gestão Doria. O jornal não precisa reabilitá-la.

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