José Henrique Mariante

Engenheiro e jornalista, foi repórter, correspondente, editor e secretário de Redação na Folha, onde trabalha desde 1991. É ombudsman

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Onde estão Dom e Bruno?

Jornalismo não é aventura, mas profissão de alto risco no país de Bolsonaro

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Ir para a Amazônia é fazer jornalismo, dos mais difíceis atualmente, onde o exercício da profissão está sob ameaça constante. Não é aventura, como diz o presidente Jair Bolsonaro, que patrocina com bravatas uma visão retrógrada e oportunista do bioma mais importante do planeta.

Traficantes, garimpeiros, grileiros, caçadores e, sabemos agora, até pescadores tornam a vida por lá uma espécie de faroeste na selva. A gestão Bolsonaro agrava um estado de coisas que já era ruim.

Em 2005, uma americana naturalizada brasileira, Dorothy Stang, levou sete tiros por defender os sem-terra no Pará. O assassinato da missionária católica escancarou para o mundo a zona de conflito em que havia se transformado a Amazônia. A exposição será muito pior agora. Crise climática e economia ESG, entre outros, alçaram a região ao patamar de preocupação mundial, daquelas que se aprende na escola e entram em qualquer equação de negócios. O país de Bolsonaro ainda não entendeu esses novos tempos e será assombrado pelo resto dos dias se o destino do jornalista britânico Dom Phillips ou do indigenista Bruno Pereira for trágico como se avizinha.

No mesmo momento em que denunciava a leniência das autoridades, acusadas de inércia inclusive pela Justiça, a Folha colaborava com o esforço de propaganda do governo. Fotos de divulgação do Exército, com soldados fazendo pose, ocuparam até a Primeira Página. É o custo da cobertura à distância. O jornal só chegou à região onde a dupla desapareceu neste fim de semana. Concorrentes e The Guardian, para quem Phillips escrevia com frequência, desembarcaram antes, assim como vários jornalistas estrangeiros.

A cobertura é muito complexa, pela dimensão do cenário e por todos os perigos já listados. Ter perdido recentemente um correspondente na região para agência de notícias também não ajuda. Que o episódio sirva para fixar não apenas a Folha nesse canto vital e inóspito do país. A Amazônia é um grande desafio jornalístico, com ou sem Bolsonaro. A mídia nacional não pode se limitar aos cadernos especiais e debates patrocinados.

Ilustração de silhueta em preto de uma floresta, na qual é possível identificar relevo e árvores. Na parte da terra, a silhueta vai ficando vermelha e o contorno parece de algo que está escorrendo. O fundo é branco.
Carvall

Essa é a parte fácil.

Sem clima

A Folha atualizou o seu repositório de convicções na última semana. O texto "O que a Folha pensa", cuja versão original é de 2019, foi alterado no verbete "Aborto". Como explica o editorial "Aborto com clareza", publicado na noite de segunda-feira (6) e no impresso do dia seguinte, o jornal defendia uma consulta pública antes de qualquer mudança, mas agora prega que "cabe a líderes políticos, autoridades e estudiosos o esforço corajoso de esclarecer a sociedade para ampliar os casos em que interrupção da gravidez não é considerada crime". Aborto, para a Folha, era e continua sendo um debate de saúde pública.

Outro verbete que merece uma espanada na lista de assuntos delicados é "Ambiente". A complexa questão merece citação quase lacônica: "O jornal acompanhou o aumento da preocupação com o tema nas décadas, embora tomando o cuidado de resistir aos exageros dos modismos e do fundamentalismo. Critica a dicotomia reducionista que opõe desenvolvimento econômico e preservação ambiental, pois esta em muitos aspectos representa também abertura de oportunidades e novos empregos". Sim, parece discussão da década passada. Onde está a crise climática, a que "antecede e se sobrepõe às outras crises, pelo impacto em todos, pessoas e setores", como afirmou o jornal na apresentação do projeto Planeta em Transe, no fim de maio?

Onde estão também a questão indígena, os direitos humanos, a exploração predatória de biomas e oceanos, a calamidade permanente das encostas nas cidades, a desigualdade, os riscos cada vez maiores de boicote e sanções internacionais ao país da Amazônia, para ficar apenas em aspectos recentes do problema.

X da questão

Agentes financeiros não fazem jornalismo, comprovou a XP Investimentos na última semana, quando suspendeu a pesquisa Ipespe, que patrocina desde janeiro de 2020, após pressão de falanges bolsonaristas. A gritaria começou na semana anterior, quando números do levantamento mostraram Lula à frente de Bolsonaro no quesito honestidade. Nada diferente do que Datafolha e Folha suportam sempre que saem pesquisas no jornal.

É um escândalo, no entanto, a interrupção da coleta de dados, e a imprensa, não apenas os institutos de pesquisa, deveria demonstrar maior preocupação com as reiteradas tentativas de desmoralizar a tomada de pulso dos eleitores, parte do processo democrático. Setembro promete ser pesado, com reações ainda mais agressivas diante dos levantamentos, quando estarão em estágio crucial. A turma terá que ser mais Arturito do que XP.

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