José Henrique Mariante

Engenheiro e jornalista, foi repórter, correspondente, editor e secretário de Redação na Folha, onde trabalha desde 1991. É ombudsman

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Imagem e ação

Vídeos expõem a violência generalizada no país e desafiam limites da mídia

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Imagens escancaram as mazelas brasileiras como se elas já não fossem evidentes. Em Foz do Iguaçu, duas câmeras de segurança registraram a morte a tiros de um petista por um bolsonarista, em uma espécie de trailer barato do filme que o país teme protagonizar nos próximos meses. Em São João do Meriti, um médico anestesista foi flagrado abusando de uma mulher sedada no momento em que ela dava à luz.

Não há dúvida sobre a pertinência jornalística das primeiras imagens. Mostram o crime, toda a sua estupidez e até os chutes não menos estúpidos desferidos contra o assassino alvejado no chão. São elas também que denotam o caráter político da conclusão da polícia paranaense, que, antes do prazo, cravou não ter ocorrido um crime político. Seja qual for o enquadramento na Justiça, as cenas assombrarão as eleições, se é que não serão superadas por outras até lá.

A violência retratada denuncia, aponta responsáveis, ajuda a dimensionar a gravidade dos atos. Mais do que isso, as câmeras de Foz mostram um país em desatino, assim como as que captaram a câmara de gás improvisada por membros da Polícia Rodoviária Federal para Genivaldo de Jesus Santos em Sergipe; ou a sordidez das agressões contra o congolês Moïse Kabagambe no quiosque da Barra. Imagens que cumprem papel fundamental, por óbvio, no âmbito particular dos envolvidos, mas também na sociedade. É nelas que percebemos como somos violentos, racistas, intolerantes e extremados. É dever da imprensa divulgá-las.

Tal assertividade não cabe no segundo evento. Mesmo assim, as cenas de um estupro captadas por um celular escondido no centro cirúrgico têm maciça divulgação na imprensa e nas redes sociais. O esquema de vigilância foi montado por enfermeiras que desconfiavam do comportamento do médico. Deu certo, ele está preso, indiciado e provavelmente perderá a liberdade por muito tempo e a profissão para sempre. O Brasil discute a violência sexual, a violência obstétrica. Mas era preciso que as imagens ganhassem a mídia? Não era suficiente deixá-las apenas para as autoridades envolvidas na apuração e no julgamento do caso?

Grande parte da imprensa considerou que não. As cenas de um estupro foram mostradas no Jornal Nacional, da TV Globo. Foram mostradas mais de uma vez, mais de um dia, ainda que parcialmente borradas. As cenas de um estupro foram divulgadas por outros veículos que nem tiveram esse cuidado. A Jovem Pan foi um deles, o que motivou denúncia de ativistas ao Ministério Público contra a emissora. Em editorial, a Pan diz que apenas exibiu "o abusador próximo da vítima, que em nenhum momento é identificada". O raciocínio não funciona justamente para a pessoa mais interessada no episódio, a vítima.

Ilustração de um corpo branco deitado com linhas verticais sobre ele, uma na cabeça, uma no peito e uma na pelve. O fundo é todo preto.
Carvall

A Folha patinou na largada e chegou ao caso depois de seus principais concorrentes, mas não divulgou nada do que foi filmado. Publicou reportagem sobre a questão. "Especialistas apontam que tornar as imagens públicas, ainda que com o rosto da paciente borrado, pode revitimizá-la, ampliando os traumas do ato violento. Por essa razão, a Folha decidiu não reproduzir o vídeo nas reportagens sobre o caso." O texto enumera também as razões dos que defendem a exposição; ajudaria na identificação de outras vítimas e na prevenção de novos delitos.

Discussão parecida se deu na última semana nos EUA sobre a divulgação, por um jornal local, das imagens do ataque de um atirador a uma escola infantil na cidade de Uvalde, no Texas. O argumento jornalístico para mostrar as cenas era comprovar que os policiais foram lenientes na ação. Muitos pais de crianças mortas, no entanto, não tinham ainda visto o vídeo e se revoltaram.

O caso embute debates subsidiários: o risco de glorificar o atirador, que aparece em ação; a ideia de que cenas mais explícitas do massacre têm potencial de indignação, necessária para restringir o acesso a armas. Essa segunda hipótese tem vários defensores, com a ponderação de que conteúdo e exposição deveriam ser combinados com os envolvidos.

Ninguém combinou com a vítima no Brasil. Uma breve vasculhada no Google mostra estrago continuado em sua imagem. Difícil não ver machismo na exposição desenfreada.

Nem sempre

Se a Folha foi cuidadosa na última semana, em junho não pensou duas vezes ao divulgar vídeo feito pela polícia de um homem que se entregou em São Paulo relatando, com detalhes, participação nos assassinatos de Bruno Pereira e Dom Phillips. Seu envolvimento foi descartado dias depois, mas o site da Folha continua exibindo a fantasia, que nunca deveria ter deixado o distrito.

Recesso

Antes que Roma arda em chamas por ordem do nosso Nero, a coluna faz uma pequena pausa e volta em 7 de agosto.

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