Josimar Melo

Jornalista, crítico gastronômico, curador de conteúdo e apresentador do canal de TV Sabor & Arte

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Josimar Melo

Falar o idioma local costuma ser útil, mesmo quando gaguejado

Mas, dependendo de onde você está, pode gerar certo conflito

Pessoas cruzam uma faixa de pedestres em uma esquina da loja de departamentos Printemps
Pedestres passam à frente da loja de departamentos Printemps, em Paris - Charles Platiau/Reuters

Durante uma viagem, falar a língua local costuma ser útil. Mesmo quando grunhida e gaguejada, pode ao menos angariar simpatia dos interlocutores locais.

Mas, dependendo de onde você está, pode também gerar certo conflito —é raro, mas acontece. Um eleitor do Trump odiará perceber nas suas palavras qualquer sotaque estrangeiro. Mas aí não tem saída —se sua cara for de latino e seu inglês for perfeito, o supremacista também vai te odiar por te achar muito preparado para ocupar aquele sagrado território branco.

Na França, já sofri pela falta de domínio da língua, em minha primeira viagem ao país. No segundo dia em Paris, parei num quiosque de cigarros e decidi experimentar uma marca que era americana, mas cuja embalagem —com paisagem egípcia— me remeteu ao passado colonial francês.

Reunindo meu melhor daquela língua, disse ao cidadão: “Je voudrais un Camel, s’il vous plaît”. Ao que ele retorquiu apenas com olhar intrigado, como quem pergunta “quê??”. “Un Camel, s’il vous plaît”, eu repetia, procurando caprichar na pronúncia —inclusive na pronúncia da marca, da forma como fazemos no Brasil— tentando imitar a entonação do país de onde ela veio. Mas quanto mais eu repetia a frase, apenas com variantes —Cámel, Cámol, Kémel etc.—, tentando ir do britânico de Liverpool ao americano do Texas, mais o vendedor demonstrava não entender.

Até que estirei o braço e apontei para a embalagem de cigarros. Ao que ele, afetando surpresa e um sorriso complacente, finalmente respondeu: “Ah!!! Caméllllll!!!”...

Foi quando me dei conta para sempre de que na França a pronúncia é sempre francesa. Ali Chrysler não é “cruáisler” como em inglês, é “crrislér”. Assim como os ex-presidentes americanos são, claro, Nixôn, Clintôn e Obamá.

Tenho certeza de que nesse meu primeiro choque cultural, com aquele vendedor francês de cigarros, ele entendeu muito bem o que eu queria desde o início. Mas achou que aquele brasileiro, querendo falar com sotaque do pessoal do lado de cima do canal, bem que merecia uma lição.

Não terá sido por isso, porém, que ganhei o gosto de tentar falar as línguas dos locais que visito. Embora não tenha nem rudimentos de alemão, russo, chinês ou japonês. Ainda assim, estando em qualquer lugar, tento ao menos decorar algumas expressões de polidez.

Gosto da fantasia de pertencimento ao local (aliás, ficar num local com cozinha, comprar produtos locais e fazê-los é um ótimo começo). Em viagem, tento aproveitar para ver um pouco as coisas do ângulo dos meus anfitriões. É um jeito de aprender um pouco do ser humano, olhando com outros olhos, e também de me sentir confortável, mesmo sabendo que é uma intimidade meramente superficial, quase ficcional.

Certa vez esse meu esforço me foi útil —mesmo tendo gerado um comentário curioso (ainda que maldoso) sobre mim. Foi quando apresentei, anos atrás, o programa de TV “O Guia”, uma série de 13 episódios gravados em vários países e exibido no mundo todo pelo National Geographic Channel.

Foi útil que, na Inglaterra, na França, na Itália, na Espanha e na América Latina, além do Brasil, eu tenha podido fazer entrevistas e interagir com personagens em suas línguas locais (não, na Turquia eu fracassei).

O NatGeo lançou um site anunciando o programa, onde espectadores comentavam entusiasmados a expectativa pela nova série, a primeira do canal envolvendo comida. Após a estreia, porém, houve desavenças.

Alguns vibraram com o formato inovador, descontraído, meio iconoclasta, até engraçado do programa, num canal normalmente bastante comportado. Outros, porém (provavelmente os igualmente comportados), se decepcionaram. Um deles deixou um comentário para mim inesquecível. Dizia algo como: “Não acredito que o NatGeo gastou uma fortuna numa série com esse cara ridículo, que, além de não saber fazer a barba, ainda fala errado em cinco línguas!”.

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