Josimar Melo

Jornalista, crítico gastronômico, curador de conteúdo e apresentador do canal de TV Sabor & Arte

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Josimar Melo
Descrição de chapéu

Mulheres de ficção me ensinaram a conhecer uma vítima da estupidez humana

Encontrei muletas interessantes para quem gosta de tentar falar, ou tropeçar, nas línguas locais

A praça é revestida por ladrilhos cinza com alguns detalhes em branco. A foto, tirada do topo da igreja, mostra várias pessoas caminhando pela praça
Pessoas caminhando na praça em frente à Duomo de Milão - Miguel Medina/AFP

Na última coluna falei sobre o sentimento (que me anima) de tentar falar a língua local onde quer que eu esteja, mesmo que, em certos casos, ficar tartamudeando com sotaques indefiníveis possa trazer problemas.

Ainda assim, gosto de tentar me comunicar, apesar do irado espectador do meu programa "O Guia", no NatGeo, ter se queixado, no site do programa, de que eu falo errado em cinco línguas.

(Por sorte uma boa alma respondeu que, num país cujos apresentadores de TV mal falam português, era um orgulho ter um brasileiro viajando o mundo e procurando interpretar, na língua deles, aquelas culturas.)

Volto ao tema porque era minha intenção falar mais sobre o assunto, no que fui abruptamente interrompido pela falta de espaço. Então continuo aqui, contando, por exemplo, que encontrei uma interessante muleta para quem gosta de tentar falar, ou nem que seja tropeçar, nas línguas locais.

Refiro-me ao site italki.com (startup chinesa!), de professores online que você pode contratar por aula –a preços que começam em meros US$ 6 (R$ 20), por aí.

Devem existir outros sites parecidos. Não sei quanto funcionam se eu precisar rapidamente falar hindi ou mandarim, mas sei que, se você já fala um pouco uma língua, a oportunidade de ter aula, incluindo conversação, com professores locais (tipo: esquecer-se do inglês de verdade e falar texano...), com certeza ajuda.

Mas isso é hoje em dia. Minha história é a de quem não tinha acesso à rede mundial instantânea e ainda assim queria se enturmar na língua local. Se à época eu tivesse mais dinheiro e mais empenho, faria escolas de línguas. Mas, na real, minhas armas foram duas: televisão e histórias em quadrinhos.

Meus primeiros aprendizados foram na França e na Itália.

Eu me lembro de mim diante da TV italiana, embasbacado com tanta estupidez em pleno primeiro mundo (mas aqueles concursos de palavras eram até úteis para um analfabeto na língua). Ao mesmo tempo os "fumetti", os quadrinhos, ajudavam a conhecer a linguagem cotidiana.

Acho que uma das primeiras coisas diferentes que aprendi em italiano foi "ragno" (aranha): graças aos gibis do "Uomo Ragno". Mas eu não parei nos heróis da Marvel. Apaixonei-me pelo enigmático marinheiro Corto Maltese, de Hugo Pratt; e claro (neste caso, o termo apaixonar-se é mais apropriado), pela sexy e perturbada Valentina, criação de Guido Crepax, de um erotismo alucinado com detalhes sadomasoquistas, uma escola de imaginação que ainda recomendo a qualquer jovem.

(Esqueça sites de pornografia: leia Crepax. Mas ok, confesso: Valentina era bem cabeça, mas nem só de fantasias sexuais sofisticadas vive a testosterona adolescente –então foi irresistível "ler" também os quadrinhos de Milo Manara... Um gênio da provocação sexual no bico de pena... Erotismo à flor do papel... Claro, tudo isso para aprender italiano!)

E já que entramos nesse terreno... Devo dizer que a televisão na França era bem menos cafona e mais instrutiva do que aquele lixo italiano. Mas confesso que, além dos gibis de heróis que me inteiravam do idioma informal, eu descobri a Paulette... Voluptuosa personagem com as carnes explodindo pelas rendas transparentes, uma milionária entediada que, à falta do que fazer, exercia os prazeres da cama.

O curioso é que foi com o erotismo de Paulette que descobri, além do desenhista Georges Pichard, o coautor (também desenhista, mas nesse caso, roteirista) Georges Wolinski.

Sim, o autor daquelas histórias de fazer babar qualquer ser humano com sangue nas veias, era o Wolinski chargista, artista ácido e iconoclasta, que depois pertenceria ao núcleo do jornal satírico francês Charlie Hebdo: um gênio do texto e do traço escrachados, ele foi um dos assassinados no massacre ocorrido em 2015 em Paris quando dois irmãos fundamentalistas invadiram a redação do semanário de armas em punho. É, religião é uma droga (em vários sentidos). Definitivamente, prefiro o sexo.

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