Josimar Melo

Jornalista, crítico gastronômico, curador de conteúdo e apresentador do canal de TV Sabor & Arte

Salvar artigos

Recurso exclusivo para assinantes

assine ou faça login

Josimar Melo
Descrição de chapéu japão

Bisbilhotando pelo mundo a mesa alheia aprendemos sobre quem visitamos

Se a comida dá pistas sobre o caráter de um povo, o comportamento à mesa não fica atrás

Viajantes solitários têm à disposição uma curiosa distração para suas refeições: bisbilhotar a vida alheia em restaurantes.


Verdade que é um esporte que perdeu muito espaço com o advento dos smartphones. Muitas vezes obrigado a comer sozinho, entrego-me ao celular, embora também frequentemente me distraia com aquele troço de papel antiquado e desajeitado.


E mesmo assim... difícil em algum momento não escutar o som ao redor. E se a comida nos dá pistas incríveis sobre a história e o caráter de um povo, o comportamento das pessoas à mesa não fica muito atrás.


Restaurantes na França costumam ser pequenos e apertados; as mesas, de tão próximas, permitiriam ao bisbilhoteiro acompanhar o palavrório dos vizinhos. Mas não é simples: franceses tendem a falar baixo em público. Talvez um senso de privacidade desenvolvido justamente pela exiguidade de espaço em locais públicos.


Às vezes é mais fácil acompanhar os estridentes detalhes da rotina de casais a duas mesas de distância no Brasil (apesar do espaço generoso, das mesas grandes e das longas distâncias) do que as juras de amor de um casal francês na minúscula mesa grudada à sua.


Mesmo sem entender a língua, no Japão é curioso observar o início da noite nos izakayas, bares que podem ser simples ou sofisticados, e onde também se come.


Ao final da tarde algumas mesas são ocupadas por homens engravatados que começam a beber desbragadamente. Chegam juntos, sinal de que são da mesma empresa.


O observador curioso perceberá que há sempre um que fala mais, que puxa as risadas, impõe o ritmo da noitada. E que nem todos se divertem efetivamente: para muitos é diversão mecânica e compulsória.


Esses rituais de alcoolização coletiva, dirigidos diretamente pelo chefe, não são ditados pelo prazer, mas por uma estranha imposição corporativa: a empresa tem que ser uma “família”, e todos devem se “divertir” juntos no fim do expediente (no lugar de voltar cedo, e sóbrio, para sua família original... e rival).


Outra variante de voyeurismo para o comensal solitário é observar a comida dos outros. O jeito contido e discreto como os japoneses comem, em contraste com a forma estridente e despojada como o fazem, ainda que também com palitinhos, os chineses; a ordem dos pratos de italianos e franceses (que diferem entre si), em oposição ao hábito de comer tudo ao mesmo tempo dos libaneses.


Enquanto isso, na mesa ao lado pode ocorrer a cena que presenciei quando passei dez dias em Nova York celebrando com minha filha seus 15 anos. Havia reservado bons restaurantes para quase todas as refeições; só num dia, passeando sem planejamento, decidimos almoçar no primeiro lugar que parecesse promissor.


Era um restaurante simpático, com jeitinho de bistrô e público local. Pedi um frango assado com legumes, e veio uma ave insípida e enorme com legumes trucidados de tão cozidos —e transbordando do prato.

Para dar algum sabor, pedi azeite de oliva, o que o garçom demorou a entender, até trazer um copinho com um fundinho de um óleo qualquer.


Minha filha tentou um sanduíche de atum —uma monstruosidade com um palmo de massa compacta cimentando duas humildes fatias de pão. E fritas transbordando.


Ainda horrorizados, notamos ao lado uma americana obesa, e que talvez por isso mesmo pediu uma salada. Mas era gigantesca, servida em algo como um balde, para falar a verdade — com uma tonelada de comida (desabando pela borda, claro).


Sim, havia muitos legumes. Mas os pedaços de frango, os croûtons fritos e o molho cheio de creme não pareciam nada leves.


Em outra mesa, duas francesas abismadas como nós. Ocorreu-me que franceses comem muito. Mas dividem em pratos sucessivos. Apreciam com mais vagar. Um dos segredos de sua aparência mais saudável.

Tópicos relacionados

Comentários

Os comentários não representam a opinião do jornal; a responsabilidade é do autor da mensagem.