Josimar Melo

Jornalista, crítico gastronômico, curador de conteúdo e apresentador do canal de TV Sabor & Arte

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Festival resgata produtos do Recôncavo Baiano, como charutos, chocolate e café

Cachoeira e São Félix estão no coração de uma região que foi o berço do plantio do tabaco no Brasil

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A mútua visão das duas cidades, separadas por um rio manso e unidas por uma centenária ponte de ferro, fará aos viajantes lembrar duas cidades irmãs ao norte de Portugal, Porto e Vila Nova de Gaia, com sua ponte histórica assinada por Eiffel. E também por detalhes da arquitetura colonial trazida ao Brasil pelos portugueses.

Ilustração de Rodrigo Yokota para a coluna de Josimar Melo (25/10/2018)
Rodrigo Yokota

Já a bruma perfumada pelo puro tabaco, que brota numa região privilegiada por seu solo e por sua quente umidade, remete a lugar bem distante da Europa, de tons bem mais tropicais: a sem-cerimônia com que circulam os charuteiros pelas ruas e fazendas, bradando impunes seus troféus fumegantes com as pontas em brasa, lembra mais a paisagem cubana.

Mas é da Bahia que estamos falando. Das cidades de Cachoeira e São Félix, joias do Recôncavo Baiano (a região que bordeja a baía de Todos-os-Santos), unidas desde 1885 pela ponte de ferro Dom Pedro 2º, que se projeta, por 365 metros de comprimento, sobre o belo rio Paraguaçu.

Garbosa com seu patrimônio cultural respeitavelmente preservado, exposto em igrejas, ruas tortuosas, e no casario pincelado pelo barroco, Cachoeira goza da vista de São Félix tão perto –e vice-versa. Ambas estão no coração de uma região de feitos heroicos (por exemplo, a antecipação, em alguns meses, do grito de independência do Brasil...), e que também foi o berço do plantio do tabaco e da produção de charuto no Brasil, há mais de 450 anos.

E foi o charuto que, entre os dias 18 e 20 passados, protagonizou nas duas cidades (e suas vizinhanças) a segunda edição do Festival Origens, associando sua degustação com outros produtos típicos da Bahia (e todos com C): chocolate, café e cachaça.

É um prazer fumar charutos sentado nas mesinhas externas do restaurante Pai Thomaz, que ostenta nas paredes e nas colunas peças de madeira entalhadas com encenações históricas, arte típica dos "loucos", "doidos" ou "malucos", como são chamados os artistas populares locais. 

O restaurante, como outros bares que agitam aquele trecho do centro da cidade, fica na larga rua 25 de Junho; dali, com sorte, as volutas de fumo serão carregadas mansamente por um brisa generosa, e arrastadas para o rio Paraguaçu, onde a rua deságua logo ali.

O festival, que levou para as cidades apreciadores de todo o Brasil, foi uma oportunidade para conhecer fazendas e fábricas artesanais de produtores de charutos como a Alonso Menendez, a Dannemann, a Monte Pascoal. E fazer degustações combinando o tabaco com café (Latitude 13º, produzido na Chapada Diamantina, em altitudes em torno de 1.200 metros); com cachaça (a Rio do Engenho, produzida em Ilhéus); e com chocolate (Sagarana, produzido, do cacau até a barra, no sul do estado).

A rápida imersão nos produtos da Bahia corresponde a um esforço de múltiplos agentes –de chefs de cozinha a autoridades do estado– no sentido de resgatar os ingredientes regionais e mostrar uma cozinha baiana que vá além dos pratos mais conhecidos e já folclóricos, identificados com a cultura do dendê.

Para isso o instituto Ori –que tem entre seus expoentes os chefs Fabricio Lemos (restaurante Origem) e Caco Marinho (restaurante DOC), de Salvador– vem promovendo expedições pelo estado, com a ambição de garimpar produtos através dos cinco biomas da Bahia (cerrado, caatinga, mata atlântica, zona costeira e marinha) divididos em 27 territórios de identidade.

O restaurante Origem é um belo mostruário de vários desses produtos, embalados na gastronomia moderna do chef Fabricio Lemos e apreciados ali mesmo na capital.

Em menus-degustação preparados em conjunto com sua mulher, a chef-confeiteira Lisiane Arouca, é possível tropeçar em carnes de fumeiro de Maragogipe (no Recôncavo), licuri da caatinga, maxixe, umbu –sem prejuízo de versões próprias de pratos clássicos como o caruru ou o acarajé (em forma de bolinho com recheio de vatapá).

Também em Salvador o Paraíso Tropical funciona como pioneiro embaixador dos produtos do estado, com a diversidade de ingredientes que o chef Beto Pimentel traz e planta no próprio terreno do restaurante, famoso por suas moquecas que podem juntar o siri-mole com o maturi (castanha de caju verde), os camarões com a acidez da fruta biri-biri, peixes com raspas de coco fresco.

De duas gerações diferentes, são dois restaurantes que empenham sua criatividade na revelação de sabores nem sempre conhecidos da Bahia.

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