Josimar Melo

Jornalista, crítico gastronômico, curador de conteúdo e apresentador do canal de TV Sabor & Arte

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Josimar Melo
Descrição de chapéu Eleições 2018

Restaurantes para quem?

Nos EUA, a turma de Trump é enxotada; no Maní, em SP, a brigada é contra o fascismo

Maíra Mendes

É comum em viagens escolhermos restaurantes em guias que os dividem por especialidades ou circunstâncias: cozinha francesa ou japonesa, por exemplo; ambiente formal ou romântico etc. Além dos temáticos: para adoradores de motocicleta, fãs do rock.

A julgar por incidentes envolvendo personagens da política, imagino se logo mais haverá também aqueles definidos por suas apreciações políticas —e refratários a clientes de diferentes opiniões.

A reflexão não é nova, e voltou com a foto postada pela chef do restaurante Maní (São Paulo), Helena Rizzo, em que ela e sua equipe erguem o dedo médio para vocês-adivinham-quem (o braço da chef trazia a inscrição #elenão).

A foto, dada a efervescência política do país, não era de espantar. Também é natural que quem mexe com uma área, a comida, que implica comunhão com as pessoas, se enoje com um candidato que prega o oposto da solidariedade, defendendo a tortura em pau-de-arara e os torturadores, os assassinatos políticos, a intolerância e o extermínio dos semelhantes.

O que aconteceria se um cozinheiro visse entrar, em seu restaurante, um nazista desse calibre? Na Europa sob o nazismo, comerciantes se recusaram a atendê-los; muitos pagaram caro, pois primeiro fascistas paramilitares os atacavam, e, depois do poder, os próprios órgãos de Estado se encarregavam da “punição”.

Mas em tese um restaurante poderia recusar a entrada de quem não lhe agrada, especialmente se tem motivos morais —ou simplesmente tiver nojo de um crápula como esse em questão.

Houve coisa parecida nos EUA neste ano, diante da execrável medida de lesa-humanidade do governo Trump na fronteira com o México, separando cerca de 3.000 crianças imigrantes de seus pais e mantendo-as em cativeiro.

Pois os boçais altos funcionários de Trump responsáveis pelo assunto não se tocaram de que era no mínimo cruel ir se refestelar em restaurantes de cozinha mexicana.

Não deu outra. Em junho a secretária de segurança interna Kirstjen Nielsen foi enxotada de um deles; Stephen Miller, um dos articuladores do sequestro das crianças, também.

O mesmo aconteceu com a patética porta-voz de Trump, Sarah Sanders, expulsa do Red Hen, em Lexington (Virgínia), que nem é mexicano, mas, segundo a proprietária, Stephanie Wilkinson, “tem certos princípios que devem ser defendidos, como honestidade, compaixão e cooperação”.

Chef Helena Rizzo adere ao movimento #Elenão
Chef Helena Rizzo adere ao movimento #Elenão - Reprodução/instagram

Ela exerceu o que considera um direito seu, o de receber ou não quem deseja. Direito que já foi evocado contra outro tipo de visitante: o crítico gastronômico. Há vários casos de jornalistas barrados —o histriônico Gordon Ramsay já protagonizou ao menos um deles.

Nos Estados Unidos, minha conhecida Irene Virbila, uma senhora de jeito pacato e doce que era então crítica gastronômica do jornal Los Angeles Times, foi impedida anos atrás de entrar no recém-aberto restaurante Red Medicine. Ao ser reconhecida aguardando sua mesa, foi mandada embora pelo sócio Noah Ellis, que também a fotografou (seu rosto era pouco conhecido) e divulgou, com a foto, o nome com que fizera reserva e seu telefone, para sabotar seu trabalho.

Uma estupidez: a jornalista ainda não havia escrito sobre o lugar, e, se o dono tivesse um mínimo de autoconfiança, esperaria por uma crítica positiva. Mas, covarde, ele não pagou para ver e ainda prejudicou a jornalista. (Claro que o restaurante já fechou, sem que ela tivesse escrito nada.)

Impedir que grupos definidos —judeus, negros, anarquistas, gays etc.— frequentem um restaurante é sinal de intolerância. Impedir que uma pessoa específica —seja um jornalista desafeto, um vizinho incômodo, um político desumano— é um direito do proprietário, acredito.

E vice-versa. Durante o golpe de 2016, alguns chefs comemoraram alegremente que 300 picaretas corruptos do Congresso destituíssem uma presidente eleita. Tinham o direito de mostrar posição, mesmo correndo o risco de que pessoas enojadas com o golpe abandonassem seus restaurantes. Risco pequeno: a turba que gritava contra a corrupção sob a batuta de Aécio Neves e Eduardo Cunha (!), e que pedia democracia ombro a ombro com o nazista Bolsonaro (!!), é a maior parte do público dos restaurantes chiques.

A atitude da equipe do Maní não foi partidária (deve haver diferença de posições entre eles), foi execração do nazismo, e parece mais corajosa, já que o ideário podre de Bolsonaro encanta os endinheirados (e os mascotes de classe média) que podem fazer diferença no faturamento do restaurante.

Mas o melhor é ver a reação à postagem da chef. Há os que aplaudem, ainda bem. E há, como esperado, fascistas se descabelando e jurando que nunca mais pisam ali. E não é uma boa notícia para a clientela —saber que pode comer sem ter ao lado um fã da tortura olhando para você?

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