Josimar Melo

Jornalista, crítico gastronômico, curador de conteúdo e apresentador do canal de TV Sabor & Arte

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Josimar Melo

Por que todo mundo sai de férias ao mesmo tempo?

Falta mentalidade de contrafluxo para evitar o período em que todos se deslocam juntos e vão aos mesmos lugares

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Desenho de praia lotada com banhistas
Rodrigo Yokota

As férias de verão começaram e, com elas, muita gente já passou pelo martírio inicial de "descansar" durante os feriados de Natal e Réveillon. E mais uma vez me coloco a pergunta: por que todo o mundo junto, ao mesmo tempo? Será que é possível relaxar da convivência com as multidões da metrópole, mergulhando em outra multidão (de gente, de demanda, de excessos) em outro lugar?

Tive uma experiência dura e definitiva anos atrás. Estava inesperadamente livre para virar o ano sem histerias: família viajando, sozinho em São Paulo, sem programa de passar Réveillon com milhares de pessoas fazendo uma contagem regressiva sem perceber que em meio mundo o ano já tinha virado —e, pior, que em quase todo o Brasil ele só passaria mesmo dali a uma hora, devido ao horário de verão.

Pois estava eu na minha tranquila São Paulo, quando um casal de amigos ligou, lá por 29 de dezembro, dizendo estar sozinhos numa casa em Camburi (no lindo litoral norte do estado), convidando para juntar-me a eles.

Pareceu ideia tentadora e de fácil execução. Em meia hora havia improvisado a mochila, agarrado alguns vinhos e ingredientes para nos divertirmos na cozinha, um violão e a edição do dia da Folha. Entrei no carro e parti.

Camburi fica a uns 160 quilômetros de São Paulo, duas horas e meia de carro —em condições normais de temperatura, pressão e tráfego. Mas naquele dia o percurso tomou-me oito horas de vida e desespero.

Eram tantos carros na estrada que nada andava. Ainda não se lia notícia no celular, o que fez com que, naquela inércia angustiante, eu tenha lido não só todas as notícias do jornal, como também, e com redobrado interesse, os anúncios classificados, um a um.

Fui mais uma vítima das aglomerações humanas de massa, quando quase todos se deslocam ao mesmo tempo, param ao mesmo tempo e vão aos mesmos lugares.

Rodovia congestionada
Trânsito na rodovia dos Imigrantes, em São Bernardo do Campo (SP), na volta do feriado de Natal - Rivaldo Gomes/Folhapress

O episódio reforçou em mim uma velha convicção: a de que, numa era em que a linha de montagem já depende tão pouco da presença humana e tantas atividades podem ser feitas remotamente, deveria ser criada uma mentalidade, e uma rotina, do contrafluxo.

Sempre tento viajar no meio da semana, não no final; e na meia estação, não na alta. Assim como deslocar-me na cidade nos horários fora do pico --e se for num horário de pico, ir no sentido contrário ao do tráfego (na hora em que está todo o mundo indo para o centro, é hora de marcar um compromisso no bairro).

Não pense que é um drama paulistano: no mundo inteiro é assim. São Paulo ainda tem uma vantagem: nos fins de semana e férias, quando milhões viajam, quem fica aqui (ou, no contrafluxo, vem para cá) encontra uma cidade um pouco mais tranquila (ruim para os negócios, mas um alívio).

Já em outras metrópoles que são polos turísticos, mesmo que parte de seus habitantes se ausente, são substituídos por hordas de turistas. 

Se Paris no alto verão já é desagradável pelo calor, quem está por lá em agosto sofre duplamente: por um lado, vários serviços (pequenos, mas charmosos) estarão desativados pelas férias (antiquários, restaurantes, lojas de bairro); por outro, as ruas estarão tomadas por turistas e os bistrôs que não estiverem fechados estarão lotados. Não é diferente em Nova York no alto e insuportável verão, ou no gélido (e pateticamente natalino) inverno.

Meu palpite, em nome do conforto do turista, do morador e até da economia, é que se criasse uma séria mentalidade do contrafluxo. Que poupasse dissabores, mau humor, combustível e horas que deveriam ser de lazer.

Já soube de empresas que mudam seus horários de funcionamento para que os funcionários entrem e saiam antes ou depois da hora do rush. Por que as cidades não administram as empresas de forma a distribuir os horários?

E as escolas? E os museus? São Paulo tem ainda a cruel situação de oferecer um péssimo transporte público —o que faz das horas de pico um tormento especialmente cruel. Mas não é só aqui: os eficientes metrôs de Londres, Moscou ou Tóquio também sofrem com a massa humana que os utiliza sempre ao mesmo tempo.

Lá ou cá, não seria muito melhor distribuir o fluxo ao longo do dia? E pensando em termos mais amplos, não seria melhor também distribuir férias e feriados ao longo do ano? Que tal parte dos funcionários da empresa ter o fim de semana às quintas e sextas, outra parte às sextas e aos sábados, e assim por diante? Alternar datas de feriados; e trocar férias de verão por férias de primavera?

Quem sabe um dia alguém pense nisso. Até lá —enquanto o fluxo de pessoas não é mais bem distribuído— resta, a quem pode, se organizar para escapar do hiperfluxo que vai sempre na mesma direção, habituando-se a fugir da insanidade coletiva no tranquilo movimento contrário.

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