Josimar Melo

Jornalista, crítico gastronômico, curador de conteúdo e apresentador do canal de TV Sabor & Arte

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Josimar Melo

Como se virar no exterior, da língua de Curaçao ao japonês

Usar as mãos é um truque divertido para ajudar a comunicação em outros idiomas

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Mãos fazendo gestos
Maíra Mendes

​Fui gentilmente convidado pela revista Expressions para participar de uma edição especial sobre Curaçao e, com isso, tive a oportunidade de voltar àquela aprazível ilha do sul do Caribe, que quase encosta na Venezuela.

Integrante dos Países Baixos, o que lhe dá características bem particulares, é um lugar ao qual havia muitos anos que eu não voltava. Mas me lembro bem, da primeira viagem, que sua paisagem mais marcante não foi a do mar que a envolve, e sim a intrigante imagem formada, sob o calor tropical, pelo casario holandês, com suas cores graciosas, refletido não sobre os canais de Amsterdã, mas sobre um braço do Atlântico.

Lembrava-me também da impressionante "fábrica de água" que, dessalinizando o mar, é a única fonte de água doce local, por sinal matéria-prima essencial também para outra fábrica que produz a cerveja Amstel. 

Por falar em bebida, eu me lembro vivamente do azul do licor feito com as chamadas "laranjas douradas", ácidas, mas de casca aromática, conhecido como Curaçao, vendido nas versões transparente (sem corantes) ou coloridas, sendo o Blue Curaçao o mais famoso.

Mas minha mais curiosa lembrança era a do idioma local, o papiamento, um patuá recitado com tons alegres e uma nítida ginga caribenha. Sua característica mais interessante é, em sua composição babélica típica das línguas crioulas, a coincidência de muitas palavras com o português, sua base (longa história) misturada ao holandês, espanhol e por aí vai.

A mais graciosa delas, "dushi", que significa querido (mas se aplica a coisas boas em geral), soa para mim como "doce", especialmente quando aplicamos para se referir a pessoas. Outras sonoridades semelhantes dispensam esforço de identificação —como quando os locais se cumprimentam dizendo "bon dia" ou "bon tardi".

A sensação de reconhecer o que se fala em outros países é particularmente gratificante para mim, porque, ao viajar, sempre gosto de tentar me comunicar na língua local, o que dá ao menos a ilusão de pertencimento. Muitas vezes é impossível, mas às vezes dá para pescar algo no ar, mesmo em línguas que não falo.

É claro, no País Basco a missão é impossível. Nada parece com nada. Nem mesmo com nomes mais ou menos universais. Por exemplo, a cidade basca de San Sebastián ali se chama Donostia (assim como o próprio País Basco se chama Euskadi). O máximo que dá para fazer é brincar de falar, suprimindo as vogais de tudo e caprichando no T, no X e no K, para pelo menos soar local.

Já na costa leste da Espanha dá para se divertir. Em Barcelona reina o catalão, no qual pululam palavras e construções muito próximas a espanhol, francês e português. É verdade que o sotaque atrapalha, mas prestando atenção, e especialmente lendo, fica tudo mais fácil, ao menos para quem conhece essas línguas.

Existe outro truque divertido para brincar de se comunicar em viagens diante de idiomas que não dominamos. Como se sabe, se você não fala italiano, use as mãos: é verdade mesmo que lá os gestos são especialmente eficientes para enfatizar as palavras. Capriche no sotaque do Brás, encoste as mãos espalmadas e comece a performance. Os mais educados fingirão entender.

Preste atenção também nos sons. Os franceses, por exemplo, bufam. É sério. Dizer "não" é uma coisa; dizer não precedido por uma bufada é mais do que "não", é um "não" preocupadíssimo. Quando não bufam, expelindo o ar forçando os lábios entreabertos, fazem o oposto: sugam o ar com um ruído mais agudo, o equivalente eólico de um certo sentimento de dúvida ou uma ênfase especial.

Já os japoneses falam muito com a cabeça. Estão sempre meneando a fronte, expressando um misto de subserviência e concordância entrecortado por monossílabos que, no conjunto, querem dizer pouca coisa. Nem sim, nem não, nem talvez.

Mas nada é melhor ou mais expressivo no Japão do que a interjeição de uma sílaba só, um simples "ro" ou um "re", que, no entanto, a depender da extensão (pode ser um "roooooooooooooooo"), da pronúncia e das contorções faciais , pode exprimir de tudo: júbilo, surpresa, tristeza, consternação, alegria, o que você imaginar.

Aprendi tudo sobre o "ro!" e o "re" não com um japonês, mas com um professor inglês de idiomas que viveu uns anos no Japão. 

Enfim, afie os ouvidos, limpe a garganta, capriche nos gestos (e na cara dura) e faça como eu: em Roma, como os romanos.

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