Josimar Melo

Jornalista, crítico gastronômico, curador de conteúdo e apresentador do canal de TV Sabor & Arte

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Josimar Melo

Admiro casas de campo que radicalmente abolem paredes externas

Mesmo na cidade, lares são mais do que refúgios e deveriam ser espaços de compartilhamento com entorno

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Numa viagem recente a Manaus, tendo adentrado alguns quilômetros rio Negro acima, fui levado pelo chef Felipe Schaedler (que tem ótimos restaurantes na cidade, o Banzeiro e o Moquém) até uma casa de veraneio para almoçar.

As águas escuras do rio, o milagre de não ter mosquitos (pela sua alta acidez resultante da decomposição de folhas e material orgânico), o silêncio e a mata no entorno, tudo aquilo já valia a viagem.

O fato de que o chef estava ali preparando, num evento, um pequeno banquete amazônico (tendo como estrelas dois belos peixes de rio com orgulhosas escamas —o enorme pirarucu e um primo menor, o aruanã), só tornavam o momento mais delicioso para vários dos nossos sentidos.

Maíra Mendes

Algo mais, porém, me chamou atenção. Foi a casa onde fomos recebidos. Uma casa sem paredes. Atenção: não me refiro aos lofts ou aos apartamentos modernos que não têm divisórias internas. Eu falo de uma casa sem paredes externas. Abertamente escancarada para a natureza.

Não é fácil encontrar esse modelo de habitação, por vários motivos (segurança, entre eles). Pensando no exemplo contrário, lembro das casas caipiras das fazendas de São Paulo que, mesmo envolvidas por um exuberante espaço sem fim de natureza, costumam ser blindadas por grossas paredes e minúsculas janelas (que, pasme, ainda por cima costumam ficar fechadas).

É que o morador do campo passa o dia na lavoura, a céu aberto, intoxicado pela imensidão da terra e do ar, e a casa vira refúgio de introspecção.

Difícil imaginar tal comportamento, nós que vivemos na cidade, e temos a praia, o campo, a natureza como sonho idílico. Mas dá para compreender.

Sendo assim, é preciso considerar que no caso dessa casa nas cercanias de Manaus —a cerca de 15 minutos, de barco, das principais marinas da cidade— trata-se de projeto arquitetônico não de um caboclo ribeirinho, mas de um morador da cidade. E de bom gosto.

O proprietário é o próprio arquiteto que a desenhou, Roberto Moita. Ele a concebeu para que a parte de baixo funcionasse como cozinha, sala de estar, jardim, piscina, tudo aberto; e o andar de cima abrigasse mais sala e quartos, separados da imensidão apenas por telas transparentes de proteção contra insetos. (Aos viajantes aviso que o lugar, chamado sítio Passarim, também pode ser alugado via Airbnb.)

Não parece fazer todo sentido num país tropical? A visita fez-me lembrar de outra casa que conheci muitos anos atrás, na minúscula ilha das Cabras, encostada em Ilhabela, litoral norte de São Paulo. 
À época a concessão da ilha pertencia ao empresário Fernando Silva, já morto, um baiano amante das artes e da noite, ambientalista “avant la lettre”, e criador da escola de idiomas Yázigi.

As fotos nas paredes (internas) da sede mostravam como fora o local antes da sua chegada: uma pequena e árida rocha perdida na costa paulista. Pois Fernando, ano após ano, povoou a pedra nua com vegetação atlântica, foi criando um bosque frondoso no meio do qual fincou a casa, sem paredes externas em um dos lados.

Assim seus convidados almoçavam as galinhas que ele criava, com arroz e feijão e farofa e o caldo da cana que ele plantava ali perto, olhando escancaradamente para a mata e o mar enquanto comiam. 
Como companhia, animais silvestres que o dono levou para lá adentravam a sala, como as enormes e pacatas seriemas que bebericavam de nossos copos enquanto miravam com estranheza aqueles animais tão estranhos que éramos, e somos.

A caminho do sítio Passarim, no rio Negro, passamos por outras casas de veraneio da elite de Manaus. As arquiteturas dos ricos variavam, na maioria, entre o vulgar e o grotesco. A casa campeã no quesito bizarrice, ponto turístico do novo-riquismo brega, é um avião de verdade, com os espaços internos transformados em casa, instalado num terreno à beira da praia fluvial.

Quem pode imaginar que a melhor maneira de aproveitar a exuberância da floresta amazônica nos seus dias de folga seja trancar-se num cilindro de metal com minúsculas janelinhas e que, feito para voar, fica ali estacionado em plena mata?

Ainda prefiro pensar que, mesmo na cidade, casas e edifícios são mais do que refúgios, deveriam ser espaços de compartilhamento, com as pessoas e com o entorno.

Infelizmente nossas cidades não são assim. Então, aos privilegiados que podem construir seus locais de repouso em contato com a natureza, sejam casas particulares ou hotéis, que tal... admitir a presença da natureza? Dependendo do caso, derrubar as paredes externas não é necessariamente a única nem a melhor solução. Mas que aponta numa boa direção, não há dúvida.

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