Josimar Melo

Jornalista, crítico gastronômico, curador de conteúdo e apresentador do canal de TV Sabor & Arte

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Josimar Melo

Comendo ao redor

Em Paris ou no Tatuapé, em São Paulo, sempre há pratos que valem a viagem

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Deve ser até um chavão, mas nunca é demais lembrar que cidades com a escala de São Paulo são sempre um convite para que a gente faça turismo dentro do seu território, por mais que acredite conhecê-lo.

Sou desses que valorizam conhecer o entorno, as ruas do bairro; mas também se emocionam em pisar solos do outro lado do planeta. Cada coisa com seu encanto.

Maíra Mendes

É misturando esses dois sentimentos que frequentemente me vejo explorando territórios próximos, mas raramente visitados. Como um passeio recente pelo bairro do Tatuapé, que não é distante do centro da cidade, mas fica bem fora dos meus trajetos habituais.

O chamariz para o passeio foi a comida. E se deu num horário de almoço, em busca do restaurante Rios (rua Itapura, 1.480), criado por um chef com raízes na região, Rodrigo Aguiar, e que mantém uma pegada familiar, já que trabalha ao lado de sua mulher Giovanna Perrone, responsável pelas sobremesas do lugar.

Curioso é que as primeiras mordidas foram num lugar perto do restaurante, uma boulangerie (palavra que designa o que seria, na França, algo próximo do que é a padaria) chamada Marie Marie.

Curioso é que já essa primeira parada me fez lembrar que na França também é comum a gente comer nas regiões mais centrais de Paris, mas de vez em quando vale se afastar para, nas bordas da cidade, topar com achados para o paladar.

Entre os meus preferidos da capital francesa está o bistrô Le Baratin (3 rue Jouye-Rouve). É um lugar simples e delicioso. Fica em Belleville, no distrito 20, na fronteira leste da cidade. E seu charme começa pelos problemas: além de longe (ao menos para o turista, que costuma ficar em locais centrais), é pequeno, o que traz dificuldades para fazer reserva, e tem um atendimento no mínimo, digamos, distraído.

Para completar a confusão, sua ótima cozinha trivial francesa é preparada, acredite, por uma argentina (a chef Raquel Carena) —o que somente neste ano, quando o francês Mirazur foi consagrado melhor restaurante do mundo pela lista World’s 50 Best Restaurants, passou a ser menos estranho (o chef premiado, Mauro Colagreco, também é argentino).

No Baratin, o caráter francês é assegurado não só pelo menu, mas também pelo proprietário, escancaradamente parisiense: Philipp Pinoteu, marido da chef, é um amante dos vinhos que, desde os tempos em que isto era raridade em Paris, serve rótulos de produtores naturais e biodinâmicos. 

O problema é, durante a espera, chamar a atenção do “patron”: ele poderá estar distraído, com o nariz enfiado numa grossa coleção encadernada da “Les Temps Modernes”, revista criada em 1945 por intelectuais como Jean-Paul Sartre (1905-1980). Põe francês nisso.

Pois se em Paris nos transportamos até áreas fora do circuito para comer, por que não o faríamos em São Paulo? O maravilhoso Mocotó, na Vila Medeiros, já provou há tempos como pode valer a viagem. Daí minha andança pelo Tatuapé.

Ao buscar no bairro, como fiz no mês passado, um pão na Marie Marie (mariemariebakery.com.br), também chegaremos a um local que, como o Baratin, o Rios ou o Mocotó, tem propriedade familiar (é dirigido pela confeiteira Daniela Meneghini e sua irmã Gabriela). E que tem até cara de parisiense, pela decoração e, claro, pelo menu, que contempla não só pain au chocolat, mas também —entre um ou outro pão de mandioca— os clássicos baguete e croissant, inclusive na versão negra, com a adição de carvão ativado (trazido da França).

Dali, segui para a etapa seguinte: conhecer a cozinha do Rios. Ali a inspiração não é francesa, mas bem brasileira, a começar pelo couvert que experimentei naquele dia: pão de rapadura e cumaru, ladeado por três manteigas feitas com cachaças envelhecidas em diferentes madeiras (carvalho, sassafrás e castanheira).

A inspiração do menu nasce dos produtos: a dupla busca ingredientes de pequenos produtores, de preferência próximos à cidade, parte dos quais encontra no próprio bairro, na feira de orgânicos que acontece no clube Ceret.

E aí, dependendo da inspiração, poderão vir à mesa petiscos como o delicioso sanduíche de língua defumada e vinagrete de capuchinha e porco e sardinha na lata. Entre os pratos principais, um conjunto de pancetta de porco defumada com molho barbecue de tucupi e melado de abaetuba, servido com angu de moinho de pedra, cebola grelhada e em picles; na sobremesa, diferentes texturas de milho e cumaru. Sorte de quem, morando por ali, não precisa nem se dispor à viagem.

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