Josimar Melo

Jornalista, crítico gastronômico, curador de conteúdo e apresentador do canal de TV Sabor & Arte

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Você vai discordar, mas San Sebastián, na Espanha, me lembra Santos

A diferença mora no paladar, muito mais aguçado pelas praias de lá que pelas daqui

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Numa semana atolada de eventos na cidade —chefs do Brasil e do mundo palestrando e cozinhando no evento Mesa São Paulo e a Mostra Internacional de Cinema—, comecei a maratona no domingo assistindo à estreia, na mostra, de “Flores do Cárcere”, de Barbara Cunha e Paulo Caldas.

O cenário do filme é Santos. Tradicional destino turístico paulista, o balneário é mostrado por outro ângulo, o do presídio feminino da cidade, hoje desativado, e de olhares, de dentro para fora e vice-versa, de algumas mulheres que passaram por ali, já saíram e então seguiram suas vidas.

Ilustração de Maíra Mendes para coluna de Josimar Melo
Maíra Mendes

O filme deve estrear para o público no ano que vem, e aí valerá a pena vê-lo e comentá-lo. Por enquanto, poupo meus leitores de desviar de novo do que me trouxe a este espaço e, no lugar de me estender sobre o belo longa, me atenho a comentar as lembranças de uma cidade que já me recebeu muitas vezes e que frequentemente me suscita comparações com outros lugares no mundo.

Há muito já não a visito. A última vez, anos atrás, foi numa passagem rápida movida pela curiosidade de visitar o Museu do Café, no edifício da Bolsa do Café, uma luxuosa construção eclética de 1922, época em que o produto trazia ainda enorme riqueza para a cidade.

Ali, além da visita ao espaço, é possível espairecer num café que oferece degustação de diferentes tipos da bebida.

Fora isso, a ida a essa cidade quase tão antiga quanto o Brasil é uma oportunidade de conhecer monumentos históricos mais antigos do que a Bolsa, aqueles dos tempos coloniais e do Império: o santuário de Santo Antônio do Valongo (século 17); a igreja e a capela de Nossa Senhora do Carmo (século 18); a cadeia velha, hoje um centro cultural (já da época de dom Pedro 2º) e o Teatro Guarany (século 19).

Tem mais coisa para ver, pois o centro histórico de Santos foi restaurado e estava bem conservado naquela minha visita.

Há ainda uma beleza urbana de cidade de praia. Sua orla é adornada por um imenso jardim de mais de cinco quilômetros com gramados e árvores, que separam com verde e sombra a faixa de areia da avenida, criando um suspiro entre o mar e os carros e prédios.

Mas, apesar da antiga riqueza da região (que tem o maior porto da América Latina) ter se baseado no comércio de um produto da terra, o café, a gastronomia local nunca conseguiu chamar a minha atenção. 

É onde fica uma gritante diferença com uma outra cidade que —acredite ou não— está entre as que me fazem lembrar Santos. Você não vai acreditar, mas estou me referindo a San Sebastián, na Espanha.

Desde a inauguração do Guggenhein, com aquela arquitetura provocativa e fascinante de Frank Gehry, o País Basco, no norte da Espanha, passou definitivamente a ser mais conhecido pelos turistas por sua maior cidade, Bilbao. 

Mas é no norte que fica a pérola da região, San Sebastián, banhada pelo mar do golfo de Biscaia. Estou falando com o estômago: é lembrar da cidade para começar a salivar.

Até que saísse a edição japonesa do Guia Michelin, aquela era a área do planeta com mais estrelas da publicação por quilômetro quadrado.

Agora, quem ganha é Tóquio (o melhor e mais seguro lugar do mundo para comer com qualidade). Mas, como a capital japonesa, San Sebastián é um templo da gastronomia onde se encontra o melhor de dois mundos: alguns dos mais sofisticados restaurantes do planeta e, ao mesmo tempo, lugares informais com comida barata maravilhosa. 

Tirando, porém, o abismo gastronômico que separa San Sebastián de Santos e, claro, o fato de que a primeira é uma rica cidade europeia e a outra é uma cidade brasileira (mesmo sendo uma das campeãs nacionais de qualidade de vida), ambas parecem compartilhar um astral em comum, o de cidades antigas de turismo balneário, nas quais algo do charme do passado ficou.

O curioso é que quando penso em Santos penso na paisagem que se pode ver de cima, dos bonitos morros adjacentes, mas nunca me imagino na praia ou no mar. Com San Sebastián, a mesma coisa, nem penso em colocar o pé naquelas águas frias, ainda que bonitas à sua maneira nada tropical (mas só para olhar).

São locais onde pessoas mais velhas já não buscam tanta aventura, parecem procurar certa paz para viver; onde a avalanche do turismo é mais branda e amenizada pelo verniz de história; onde a presença do mar amplia o horizonte do olhar e aquieta a alma.

Será mesmo? Pode ser apenas o efeito do sol de Santos torrando os miolos; ou dos incontáveis galões de gim-tônica que consumi em San Sebastián.

Erramos: o texto foi alterado

Diferentemente do informado em versão anterior da coluna, Bilbao não é a capital do País Basco, mas a sua maior cidade. O texto foi corrigido.

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