Josimar Melo

Jornalista, crítico gastronômico, curador de conteúdo e apresentador do canal de TV Sabor & Arte

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Descrição de chapéu Coronavírus

Explorar e sentir na pele são prerrogativas humanas perdidas na pandemia

Viajar não é, ou não deveria ser, mero luxo, porque satisfaz parte das nossas necessidades básicas

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O governo anda querendo adiar o próximo censo do Brasil, desviando o dinheiro que nele seria empregado para as Forças Armadas. Onde a destinação, aliás, não seria para modernizar equipamentos ou melhorar a (parca) inteligência das armas.

Tomara que não consigam. Como tantas outras verbas que vêm sendo sangradas de áreas vitais (como educação, saúde, ambiente etc.), a destinada ao censo do IBGE atinge uma atividade também fundamental, que pode munir o país de informações preciosas sobre quem somos, instrumento que pode ajudar a tirar o país do terreno da ignorância.

O censo costuma iluminar aspectos muito mais amplos do que apenas dizer quantos habitantes somos. Imagine algum detalhe da nossa vida que, de uma forma ou de outra, pode ser de importância para entendermos o país, e provavelmente haverá dados do censo para ajudar a subsidiar a reflexão sobre o assunto.

Como exemplo pertinente para este espaço, agora mesmo deparei-me com alguns dados sobre o turismo do brasileiro, levantados pela Pnad (Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios Contínua) do IBGE, com dados referentes ao terceiro trimestre do ano passado.O levantamento abordava os hábitos de viagem (não somente turísticas) dos brasileiros.

Em números redondos, 96% das viagens realizadas naquele período foram dentro do país; a maioria, 36%, foi para visitar parentes e amigos; 27% não eram viagens de passeio (iam desde tratamentos de saúde até compras ou peregrinação religiosa); e 32% eram viagens de lazer —motivadas pelo turismo mais convencional.

É interessante notar que o trimestre levantado, o terceiro de 2019, não era nem o primeiro nem o último do ano, portanto não incluía os períodos de férias de verão, que registram maior incidência de viagens de lazer. Ainda assim, este tipo de programa foi a opção de um terço dos viajantes.

Dentro deste universo, os deslocamentos têm, por sua vez, um recorte específico. O que os motivou a sair de casa a passeio naquela época?

Aqui a proporção é mais ou menos igual para três opções. Um pouco mais de um terço viajou atrás de sol e praia (34%). Outra legião, um pouco menor, foi atraída por destinos de cultura (27%). E quase o mesmo índice, 26%, estava em busca ecoturismo ou aventura.

O período pesquisado coincide de ser exatamente o que estamos vivendo hoje. E me leva a pensar: como estarão todos estes segmentos lidando com o encarceramento compulsório a que estamos confinados nos últimos seis meses?

Os segmentos que viajaram por motivos menos divertidos —a trabalho, por exemplo— podem estar lamentando menos a imobilidade obrigatória. De toda maneira, não é possível comparar as viagens de quem precisa trabalhar àquelas de quem busca passear.

Quem está em casa sem poder trabalhar, buscar tratamentos médicos ou assistir parentes está passando maus bocados. Mas não ignoro que o segmento de quem busca um passeio de aventura, relaxamento ou enriquecimento cultural esteja também sofrendo com a impossibilidade de lançar-se a destinos diferentes.

A verdade é que viajar não é, ou não deveria ser, mero luxo. Aliás, muita gente nem gosta —assim como muitos acham um porre ter que interromper alguma atividade para comer (uma perda de tempo injustificável), detestam museus (empurra-empurra insuportável para ver coisa velha) ou se orgulham de jamais ter saído de sua cidade natal (viajar pra quê, se está tudo nos livros?). Nessas categorias, por sinal, incluem-se alguns gênios da humanidade. Cada um é cada um.

Mas acredito que, para a maioria, espairecer, repousar a mente depois de meses, conhecer na fonte coisas que eram apenas referências literárias, conectar-se com pessoas que agem diferente, são experiências que compõem parte das necessidades básicas de ser humano. Explorar, xeretar, sentir na pele, são prerrogativas que a curiosidade humana exerce desde o início dos tempos, o que torna compreensível tamanha falta que vem fazendo a possibilidade de abraçar o mundo.

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