Tudo começou numa inocente consulta ao mapa —no caso, o do Google. Eu não precisava saber um caminho: o motorista sabia como chegar ao restaurante O Jardim, em Belo Horizonte. Eu queria apenas saciar uma velha mania: tentar localizar-me no espaço.
Mesmo que não esteja guiando, gosto de checar que, saindo do aeroporto de Heathrow, meu deslocamento para Londres se dá em direção ao leste —enquanto em Nova York, do aeroporto JFK a Manhattan, será para noroeste, por exemplo.
Parece que o mar, no Brasil, fica quase sempre a leste das cidades, mas minha curiosidade cartográfica alerta que, da orla, quase nunca vemos realmente o nascente —é até comum assistirmos, no horizonte do mar, a belíssimos pores do sol (que, como sabemos, acontece no oeste).
Portanto em Belo Horizonte eu só queria saber que trajeto faria. Mas, ao digitar o nome do restaurante, surgiu na tela o endereço, a localização... E a informação: “Combina 84%”. Combina o quê? Com quem?
Abismado, cliquei no ícone para entrar nos intestinos da informação do Google —algo que, claro, o gigante jamais permitirá de verdade. Mas pude entender que ele estava informando a este estúpido usuário que o restaurante “combina” comigo. Em 84% —seja isso o que for.
Eu ainda não conhecia esta absurda presunção de decidir por mim se eu combino ou não com algo. Como se fosse um aplicativo de namoro me explicando quem eu amo ou não —sem que fosse preciso eu conhecer a pobre vítima.
O Google faz isso com a espionagem sistemática da nossa vida, o muito que sabe sobre nós (afinal, é nos vendendo aos anunciantes que se tornou bilionário).
Ou, nas palavras mais comedidas deles, apontam a “probabilidade de você gostar de um lugar com base nos seus interesses, classificações, atividade na web e de apps e histórico de localização”. Coisas, aliás, que muita gente, ao bel-prazer, adora desnudar.
Infelizmente só encontrei o tal “combina” em buscas de restaurantes. Tentei museus, lojas —e nada. E, mesmo um restaurante que tem “bar” no nome, A Casa do Porco Bar, ficou sem classificação (mesmo recém-eleito o melhor do Brasil). Em compensação, dos mesmos donos, deram meu match com o Bar da Dona Onça (combina... 49%... Só? E aquela dobradinha, aquele fígado acebolado, aquela galinhada com quiabo? Ufa, o Google realmente não me conhece).
O Fasano cravou 79%. OK, mas não se explica que ganhou do Arpège (70%), em Paris, e do Alain Ducasse de Monte Carlo (71%). O Le Jazz explodiu com 90%; mas como o Maní ficou em humilhantes 56% —os vigilantes não perceberam que é um dos meus preferidos?
Os recém-classificados melhores restaurantes da América Latina cravaram todos meros 47% (porque a França, tão mais longe, pontua tão mais?).
O engraçado é clicar no tal “combina” e ver a explicação para cada lugar —sempre meio igual: “Você parece se interessar por culinária sofisticada, vinhos excelentes e culinária italiana”; ou “por coquetéis excelentes, vinhos excelentes, culinária sofisticada”.
Conclusão: para que ir provar um restaurante e tirar conclusões? Besteira, o Google nos poupa desse esforço. Para que conhecer a moça para saber se vai gostar? O carro? A cidade turística? Ou a vida? O Grande Irmão te conta: não perca tempo vivendo.
Mas me pagam. Passei uma hora com buscas para despistar os vigilantes. Academias de triatlo; lojas Salvatore Ferragamo; Habib’s; saunas gay. Vou dar um nó na cabeça deles... Quero ver se atreverem novamente a decidir por mim do que vou gostar ou não.
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