Josimar Melo

Jornalista, crítico gastronômico, curador de conteúdo e apresentador do canal de TV Sabor & Arte

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Josimar Melo
Descrição de chapéu férias

A armadilha do tempo

A pandemia tornou ainda mais premente a necessidade de viajar e se desligar da rotina

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Quarta-feira (ontem), nove horas da manhã, apita o WhatsApp. Era quarta-feira, mas eu estava ainda em clima de letargia pós-feriado, sem entender direito nem que dia era.

E vejo o recado: era a Marcella Franco, minha diligente editora perguntando, com toda a gentileza do mundo, se eu já havia enviado o texto da minha coluna da semana. Esta coluna aqui que milagrosamente (e graças à paciente editora) você tem diante dos seus olhos.

Pois naquele momento, não tinha coluna… tomei um susto, ao cair na real. Por mais que ontem fosse quarta-feira, todo o meu metabolismo —dos movimentos embotados por um ciclo circadiano pervertido pela quebra de rotina a velhos neurônios seduzidos pela preguiça— me fazia jurar que ainda era segunda-feira.

Imagens do aeroporto Santos Dumont, no Rio de Janeiro, em foto de 2019 - Bruno Santos/Folhapress

Houve toda uma confluência de fatores conspirando para isso. O mais evidente foi o feriado emendado, criando a alegre ilusão de um fim de semana maior que a soma dos dias úteis da semana (enfim a vitória do ócio?). Mas não só.

No domingo de verdade eu saí cedo de casa para trabalhar, e fiquei por treze horas a fio numa gravação de TV, até 22h. Segunda-feira então começou como um verdadeiro sábado de descanso, após dias intensos.

Passei a terça-feira com meus filhos (que não moram comigo) aqui em casa —e pude distrair o horror do gado bolsonarista mugindo na rua pelo golpe, com o manso afeto familiar de quem relaxa no domingo com a família. Para completar, o pequeno queria jantar pizza, e assim terminamos a terça-feira com uma "autêntica" pizza de... domingo.

Mas não era domingo, como me lembrou o apito do WhatsApp na manhã de ontem. Era terça, dia em que eu envio esta coluna. Ou deveria ter enviado.

A armadilha do tempo pode acontecer pela mera ocorrência de um feriado excepcional, sem dúvida. Mas ela se tornou mais constante e perigosa ao longo da pandemia. O home office começou a borrar as fronteiras entre os momentos de trabalho e de descanso. Entre brigar com o chefe e brigar com o cachorro. Entre o dia e a noite. Entre uma sexta e um sábado.

Com isso ficou ainda mais urgente recuperar um direito que a pandemia também nos tirou: o direito de viajar. Não falo de viagens de trabalho, mas daquelas de férias, puramente de lazer.

Ocorre que tirar férias e ficar em casa, no mesmíssimo ambiente cotidiano e que virou também de trabalho, nem sempre tem o condão de desligar nossa mente da rotina e dos problemas do dia a dia —além de nos deixar perigosamente ao alcance dos colegas e das demandas do trabalho. Para muita gente —a maioria das pessoas, creio— mudar de ares tem uma importância vital para renovar as energias.

Não é à toa que a hotelaria brasileira anda bombando. Enquanto as fronteiras de outros países vão se abrindo apenas timidamente para o Brasil (e alguns que as abriram para nós voltaram a fechar), os brasileiros que ainda não foram atingidos pela débacle econômica promovida pelo governo correm sofregamente em busca de viagens aqui por perto.

Especialmente para hotéis em áreas abertas, onde além da natureza é possível ter mais precauções com a saúde.

Vivemos ainda numa emergência sanitária (além de humanitária). E que pode voltar a recrudescer, já que governantes irresponsáveis liberam festas perigosas, bares com multidões nas ruas, fora cultos em que pregadores berram perdigotos na multidão ingênua em pantomimas de pretensos exorcismos. Tudo isso com a variante delta à espreita.

Diante deste quadro, agravado pelo desastre social que só recrudesce, longe de mim colocar como prioridade maior a busca do direito à viagem de lazer. Só espero que não nivelemos nossas aspirações por baixo: lembremos sempre que viajar também é preciso.

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