Josimar Melo

Jornalista, crítico gastronômico, curador de conteúdo e apresentador do canal de TV Sabor & Arte

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Josimar Melo

Andando para trás

A aventura dos trens de passageiros no Brasil começou mal e só piora

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Li aqui na Folha um curioso relato de Elio Gaspari sobre a (não) inauguração dos serviços ferroviários no Brasil em 1843, descrita a partir do embate entre parlamentares do Congresso brasileiro de então.

A primeira estrada de ferro, que ligaria Rio de Janeiro a São Paulo, foi obstruída por parlamentares cuja obtusidade reacionária faria inveja à quadrilha bolsonarista de hoje. Nosso primeiro trem só apitaria sobre trilhos brasileiros onze anos depois. Demorou, mas saiu.

Até hoje, porém, é uma tristeza constatar que, se para o transporte de cargas a malha ferroviária é precária, para o viajante, então, ela é virtualmente inexistente.

Passageiros no vagão-restaurante do Trem de Prata, na estação Barão de Mauá, no Rio de Janeiro, pouco antes da primeira viagem no sentido Rio-São Paulo em 1998 - Dadá Cardoso/Folhapress

Habituados a trafegar por terra somente em ônibus, pode nos parecer normal usar apenas este tipo de transporte. Mas não é preciso ser muito arguto para perceber como o trem pode ser mais confortável (com suas cabines mais amplas, e acomodando leitos, bares e restaurantes); mais rápido; e menos poluente.

Tenho muitas lembranças juvenis em trens na Europa, meio de transporte cujas profusão e eficiência me encantavam. Era possível, como ainda hoje, planejar facilmente viagens inteiras.

Jovens e estudantes, como eu, compravam um passe que, por um preço fixo, podia cobrir todo o continente: era como imaginar que o mar era o limite, e toda aventura era permitida sobre aqueles trilhos.

A pontualidade era tirânica, o que nos obrigava, brasileiros, a uma disciplina impensável naquela idade —mas a ela sempre consegui me adaptar. No mínimo porque valia muito a pena.

Pegar aviões era um luxo caro e, em muitos casos, uma verdadeira estupidez, como ainda hoje, quando pensamos nas pequenas distâncias europeias: o tempo que se perde indo a aeroportos e seguindo demorados rituais é largamente compensado pela praticidade de simplesmente chegar a uma estação de trem localizada em uma região central, embarcar sem burocracias e, mais adiante, saltar no centro (e não nos arrabaldes) da sua cidade de destino.

Não sei o que acham os europeus, asiáticos e norte-americanos sobre os seus trens (certamente têm suas críticas), mas a impressão que me dá é de que as coisas, para o viajante, só melhoram neste terreno.

A chegada dos trens de alta velocidade não cansa de me impressionar. O TGV da França —lançado nos anos 1980, superava em muito os 200 km/h (e hoje atinge 300 km/h)— já me encantava, até que conheci o shinkansen japonês, com seu design sensual e velocidades ainda maiores.

E o Eurostar? Viajei algumas vezes no trajeto Paris-Londres atravessando, de barco, o Canal da Mancha, no balançante trajeto do porto de Calais ao britânico de Dover. Para chegar a eles, ia de trem nos trechos terrestres para as capitais.

Até que o Eurostar inaugurou o túnel sob o canal da Mancha. Hoje entramos no trem na Gare du Nord, em Paris, e, em meras duas horas e quinze minutos, estamos na estação St. Pancras, na efervescente Londres. No caminho, sorvemos tranquilamente um vinho, um livro, ou concluímos um trabalho no laptop.

Já as memórias dos trens brasileiros são diferentes. O “trem da morte” (precisa dizer mais?) em direção aos Andes com mochila nas costas. O Trem de Prata, ligando São Paulo a Rio, cuja graça era justamente sua precariedade: era tão demorado que a diversão da viagem era ficar horas intermináveis bebendo no bar (depois, um breve desmaio na cabine-leito).

Talvez mais no passado os parcos trens de passageiros do Brasil tenham sido mais atraentes. Na minha existência, porém, a sensação era de que nossa aventura sobre trilhos começou mal no século antepassado, foi se desmilinguindo no seguinte, para acabar ainda pior nos dias de hoje. Quanto tempo perdido.

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