Josimar Melo

Jornalista, crítico gastronômico, curador de conteúdo e apresentador do canal de TV Sabor & Arte

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Josimar Melo
Descrição de chapéu América Latina

Companheiro de viagem

Laptop era a máquina de escrever portátil que eu apoiava nas pernas

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Enquanto escrevo estas linhas, tento equilibrar o celular na mão compensando, num movimento de ondas, o sacolejo da van que singra estradas do norte caribenho da Colômbia.

Revejo duas lembranças. A primeira, de anos pré-pandemia, quando repetia esta rotina de viagens a trabalho em que a urgência dos prazos nos impele a reunir, famintos, migalhas de tempo onde elas estiverem (na sala de espera do aeroporto; na mesa do café da manhã do hotel; no chacoalhar de um trem) para teclar nosso ganha-pão.

Ilustração de uma máquina de escrever - Banco de Dados

A segunda lembrança é a de uma exposição organizada, uns dez anos atrás (e ainda em cartaz) pela designer Lillian Vidigal no restaurante Primo Basílico, em São Paulo. Ela colocou na parede objetos afetivos de frequentadores da casa —como a atriz Maria Fernanda Candido, o então senador Eduardo Suplicy, a cineasta Marina Person— e também me convidou.

À minha "obra" dei o título "Meu Primeiro Laptop". Tratava-se de uma interpretação literal do objeto que emprestei à exposição: uma máquina de escrever portátil —Olivetti Lettera 22— que eu apoiava sobre as pernas para escrever panfletos enquanto viajava de ônibus pregando a revolução.

O matraquear das teclas talvez incomodasse passageiros vizinhos. Mas era abafado pelo motor do ônibus e pelos ruídos externos que entravam pelas janelas, na ausência de ar-condicionado. Ademais, se voltasse no tempo eu lhes explicaria que o discreto batuque não era nada, diante do que estava por vir.

"Os laptops futuristas terão teclas silenciosas; mas vocês não imaginam o que serão os mal-educados de amanhã berrando num artefato demoníaco chamado celular, ou escutando mensagens de voz num moderno instrumento de servidão chamado WhatsApp."

Quando minha filha era pequena e descobriu minha máquina de escrever, ficou fascinada: "a gente tecla e ela imprime ao mesmo tempo!". Verdade. Mas a impressão "ao mesmo tempo" de várias cópias era limitada a poucas folhas (e respectiva provisão de papel carbono). E para entregá-las era preciso um ônibus, ou um carteiro.

O que sofreu uma evolução com o advento do fax: nele colocávamos o papel datilografado e ele chegava "ao mesmo tempo" do outro lado do mundo. Para quem queria viajar sem deixar de trabalhar, ficava mais fácil mandar artigos de longe.

Eu ainda não entendia que esta libertação do tempo era também escancarar as portas para um viés de servidão.

Ficava fascinado pelos avanços tecnológicos da comunicação. Quando a internet chegou às pessoas normais, ficava madrugadas ouvindo o chiado irritante do modem buscando conexão pela linha telefônica.

Fazia pesquisas pelo Altavista, e era um luxo: digitava "ostra" e (não "ao mesmo tempo") chegava o resultado: quinze respostas! Tirando as bobagens, e as línguas incompreensíveis, ainda sobravam três ou quatro bons textos, alguns com pedigree como "Biblioteca do Congresso Americano", nada mal mesmo.

Adotei por anos várias versões de um laptop Toshiba minúsculo, levíssimo para levar na mochila; mas ainda dependia da conexão discada, do chiado sibilante do modem, para poder esbanjar a modernidade do correio eletrônico, enviar meus artigos e sair do hotel para aproveitar Paris, o que podia demorar horas.

Agora é tudo mais ágil. O minicomputador que levamos no bolso (com mais capacidade que os computadores gigantes que levaram o homem à lua) e chamamos de telefone celular possibilita que nos desloquemos "livremente" sem nos desconectar. Mas também que estejamos acorrentados 24 horas ao nosso trabalho.

E que as marolas do mar do Caribe inspirem os movimentos das minhas mãos enquanto escrevo isto, mas não me sobre tempo para molhar ali nem a pontinha do pé.

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