Juca Kfouri

Jornalista, autor de “Confesso que Perdi”. É formado em ciências sociais pela USP.

Salvar artigos

Recurso exclusivo para assinantes

assine ou faça login

Juca Kfouri

A barbárie no Pacaembu

Em SP, o exemplo do que é a América do Sul; no Rio Grande, jogo à europeia

Vivemos numa parte pouco civilizada do mundo e por isso vemos o maior torneio de futebol do continente exemplificar há décadas nosso grau de incivilidade. A noite da última terça (28) deu, no Pacaembu, provas eloquentes da verdadeira face da Libertadores, embora numa noite de contrastes.

Porque em Porto Alegre, Grêmio e Estudiantes disputaram um jogo que a Liga dos Campeões da Europa assinaria, com 48 mil torcedores no estádio.

Em São Paulo aconteceu o inverso em todos os sentidos.

Dentro, com 38 mil, e fora do gramado, entre Santos e Independiente. Fora por causa das infames diretorias da Conmebol e do Santos --além de parte da imprensa. Da Conmebol porque, como se não vivêssemos em plena era da informática, é incapaz de dizer quem pode e quem não pode jogar, como, aliás, a CBF também é.

Cenas de vandalismo na desclassificação do Santos na Copa Libertadores, para o Independiente, no Pacaembu
Cenas de vandalismo na desclassificação do Santos na Copa Libertadores, para o Independiente, no Pacaembu - Paulo Whitaker/Reuters

Do Santos porque ignora as práticas mais comezinhas do torneio e escala um jogador suspenso, como o técnico Cuca teve a rara coragem de apontar.

Parte da imprensa porque não só houve quem limitasse suas críticas à Conmebol como, ainda por cima, quis justificar a barbárie causada por torcedores que atiraram bombas e tentaram invadir o gramado.

Provavelmente fruto da má consciência dos ufanistas responsáveis por classificar como injusta a punição ao Santos.

Também por vender a falsa ideia de que o Santos seria capaz de reverter a situação e ganhar do Independiente por 3 a 0, porque um dia, em 1995, fez isso com o Fluminense, ao derrotá-lo por 5 a 2, depois de ter perdido, na bola, o jogo de ida pelas semifinais do Campeonato Brasileiro por 4 a 1.

O que se viu no Pacaembu apenas mostrou como a história se repete sim, feito farsa.

O ambiente da partida nos pampas pode ser louvado, mas, convenhamos, é apenas obrigatório num jogo de futebol. O clima no jogo na Pauliceia é marca registrada da Libertadores, motivo para muitos, na mídia, dizerem: "Libertadores é assim", "é o clima de Libertadores", nada mais, nada menos, sinônimos de selvageria. A confusão entre bravura e violência, entre coragem e cafajestagem, é corriqueira nas avaliações sobre o torneio continental.

Quem acompanha a coluna sabe quantas vezes a Libertadores foi tratada aqui como merece: como uma competição desprezível e digna de ser abandonada por quem não abdica do espírito civilizatório.

Quando o Corinthians ganhou a taça, em 2012, aqui foi proposto ao clube não disputar a próxima, pois a decisão não mais poderia ser vista como desculpa por não vencê-la.

Claro, uma utopia, romantismo, quixotismo, classifiquem a rara leitora e o raro leitor como quiserem.

Melhor lutar contra os moinhos de vento a curvar-se diante da bandidagem da Conmebol e da insegurança vivida na Libertadores, no Brasil, inclusive.

Desnecessário lembrar: São Paulo e o Pacaembu ficam no Brasil, não? 

Porque, lembremos, não aconteceu pela primeira vez.

No mesmo palco, em 2006, a torcida corintiana fez o mesmo, revoltada pela eliminação do time pelo River Plate.

Em dezembro de 2017, anteontem, portanto, a selvageria aconteceu no Rio, no Maracanã, antes e depois da decisão da sub-Libertadores, a Copa Sul-Americana, entre Flamengo e Independiente.

O clube de Avellaneda poderia até se queixar das cenas lamentáveis tanto no Maracanã quanto no Pacaembu.

Só que não pode, porque faz igual.

Como o Boca Juniors, na Bombonera.

São os intestinos abertos da América Latina, com o perdão do imortal Eduardo Galeano.

Tópicos relacionados

Comentários

Os comentários não representam a opinião do jornal; a responsabilidade é do autor da mensagem.