Vivemos numa parte pouco civilizada do mundo e por isso vemos o maior torneio de futebol do continente exemplificar há décadas nosso grau de incivilidade. A noite da última terça (28) deu, no Pacaembu, provas eloquentes da verdadeira face da Libertadores, embora numa noite de contrastes.
Porque em Porto Alegre, Grêmio e Estudiantes disputaram um jogo que a Liga dos Campeões da Europa assinaria, com 48 mil torcedores no estádio.
Em São Paulo aconteceu o inverso em todos os sentidos.
Dentro, com 38 mil, e fora do gramado, entre Santos e Independiente. Fora por causa das infames diretorias da Conmebol e do Santos --além de parte da imprensa. Da Conmebol porque, como se não vivêssemos em plena era da informática, é incapaz de dizer quem pode e quem não pode jogar, como, aliás, a CBF também é.
Do Santos porque ignora as práticas mais comezinhas do torneio e escala um jogador suspenso, como o técnico Cuca teve a rara coragem de apontar.
Parte da imprensa porque não só houve quem limitasse suas críticas à Conmebol como, ainda por cima, quis justificar a barbárie causada por torcedores que atiraram bombas e tentaram invadir o gramado.
Provavelmente fruto da má consciência dos ufanistas responsáveis por classificar como injusta a punição ao Santos.
Também por vender a falsa ideia de que o Santos seria capaz de reverter a situação e ganhar do Independiente por 3 a 0, porque um dia, em 1995, fez isso com o Fluminense, ao derrotá-lo por 5 a 2, depois de ter perdido, na bola, o jogo de ida pelas semifinais do Campeonato Brasileiro por 4 a 1.
O que se viu no Pacaembu apenas mostrou como a história se repete sim, feito farsa.
O ambiente da partida nos pampas pode ser louvado, mas, convenhamos, é apenas obrigatório num jogo de futebol. O clima no jogo na Pauliceia é marca registrada da Libertadores, motivo para muitos, na mídia, dizerem: "Libertadores é assim", "é o clima de Libertadores", nada mais, nada menos, sinônimos de selvageria. A confusão entre bravura e violência, entre coragem e cafajestagem, é corriqueira nas avaliações sobre o torneio continental.
Quem acompanha a coluna sabe quantas vezes a Libertadores foi tratada aqui como merece: como uma competição desprezível e digna de ser abandonada por quem não abdica do espírito civilizatório.
Quando o Corinthians ganhou a taça, em 2012, aqui foi proposto ao clube não disputar a próxima, pois a decisão não mais poderia ser vista como desculpa por não vencê-la.
Claro, uma utopia, romantismo, quixotismo, classifiquem a rara leitora e o raro leitor como quiserem.
Melhor lutar contra os moinhos de vento a curvar-se diante da bandidagem da Conmebol e da insegurança vivida na Libertadores, no Brasil, inclusive.
Desnecessário lembrar: São Paulo e o Pacaembu ficam no Brasil, não?
Porque, lembremos, não aconteceu pela primeira vez.
No mesmo palco, em 2006, a torcida corintiana fez o mesmo, revoltada pela eliminação do time pelo River Plate.
Em dezembro de 2017, anteontem, portanto, a selvageria aconteceu no Rio, no Maracanã, antes e depois da decisão da sub-Libertadores, a Copa Sul-Americana, entre Flamengo e Independiente.
O clube de Avellaneda poderia até se queixar das cenas lamentáveis tanto no Maracanã quanto no Pacaembu.
Só que não pode, porque faz igual.
Como o Boca Juniors, na Bombonera.
São os intestinos abertos da América Latina, com o perdão do imortal Eduardo Galeano.
Comentários
Os comentários não representam a opinião do jornal; a responsabilidade é do autor da mensagem.