Já passava das três horas da madrugada, em Washington, quando o duas vezes medalhista de ouro olímpico, em Londres e no Rio, e vencedor de três torneios de Grand Slam, Aberto dos EUA e duas vezes Wimbledon, o escocês Andy Murray, 31, sentou no banco e chorou longamente, com soluços que podiam ser ouvidos a bons metros de distância na quadra já praticamente vazia.
Havia acabado de vencer, apenas pelas oitavas de final de um torneio ATP 500, o romeno Marius Copil, o 93º colocado no ranking, em jogo iniciado à meia-noite por causa das chuvas que caíram sobre a capital norte-americana.
Murray ganhou de virada (6/7, 6/3 e 7/6) em jogo emocionante, mas tecnicamente sem brilho, e desmoronou num pranto convulsivo.
Não estava ali com a toalha no rosto para chamar a atenção de ninguém, nem se ajoelhou no meio da quadra como fez Neymar no gramado depois de jogo em que Philippe Coutinho havia sido escolhido o melhor em campo na Rússia.
Não, Murray apenas via um filme depois de quase um ano sem jogar, depois de operar o quadril e lutar contra a dúvida de voltar ou não a ser tenista competitivo.
Era o sexto jogo desde a volta às quadras de quem foi número 1 do mundo em 2016/17 e hoje ocupa o 832º lugar no ranking da Associação dos Tenistas Profissionais.
Importa pouco saber como continuou a trajetória do britânico nas quadras do Tio Sam. Importa mais constatar o que um esportista genuíno é capaz de sentir mesmo depois de estar realizado e milionário.
Calcula-se que Murray já tenha amealhado mais de R$ 200 milhões em 13 anos de carreira. O suficiente em glórias e dinheiro para se aposentar feliz.
Mas não, o cheiro da grama de Wimbledon ou do saibro de Roland Garros, as quadras duras de Flushing Meadows ou de Melbourne despertam tamanha atração que o gigante ferido vai atrás em busca de novas emoções, de mais adrenalina, dos aplausos da plateia, do choro da vitória, da superação, do vencer a si mesmo.
Em essência, é disso que o esporte trata, seja no futebol, no basquete, no tênis, natação, atletismo, vôlei, em lindos estádios e ginásios, ou na várzea, na praia ou nas ruas.
Algo tão importante na vida das pessoas e tão maltratado num país como o Brasil. Aguardemos os programas eleitorais dos candidatos nas eleições de outubro, em níveis estaduais ou federal. Verifiquemos o que reservam para o esporte, se é que tocarão no assunto.
E se tocarem, como? Se terão a percepção de que, antes de mais nada, esporte é fator de prevenção de doença. Que uma moeda investida em democratização do acesso à prática esportiva poupa três em saúde pública.
O Brasil está em vias de completar 520 anos e até hoje não tem o que se possa chamar de Política Esportiva.
O significado de tamanha miséria para a sociedade em geral pode ser visto no país que voltou a correr atrás da dengue e da febre amarela.
Para os esportes de alto rendimento basta olhar que o nosso Andy Murray, o fabuloso Gustavo Kuerten, o Guga, cresceu, apareceu, venceu, e se foi, por coincidência também com problemas nos quadris, sem que houvesse nenhum esforço para fazer do exemplo dele um caminho para novos tenistas.
Aí é que dá vontade de chorar mesmo. Não o choro solitário de alguém na madrugada americana.
Mas o de tristeza e indignação com a cegueira nacional, porque se até a merenda escolar é desviada para bolsos impunes, imagine o que não se faz com o dinheiro destinado ao esporte. E estão aí os Havelange, Teixeira, Nuzman, Marin, Del Nero, Agnelo, Coaracy (que nomes!) para comprovar.
Um dia o Brasil saberá o que quer ser quando crescer.
Como Murray sabe. Como Neymar precisa aprender.
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