Juca Kfouri

Jornalista, autor de “Confesso que Perdi”. É formado em ciências sociais pela USP.

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Juca Kfouri

Fifa roubou a corrupção do seu código de ética

Surpreendente é seguirmos loucos por futebol

A CBF não pediu restituição do dinheiro que seus ex-presidentes surrupiaram da entidade, e a Fifa tirou a corrupção de seu código de ética.

Se a rara leitora e o raro leitor acham que estão lendo um texto de humor, se enganam. É de horror. Porque fiel à Lei da Omertà, a "nova" CBF se mantém fiel aos ex-chefes que, afinal, indicaram os atuais.

E a "nova" Fifa, para cumprir o que seu presidente prometeu ao assumir a transnacional mafiosa do futebol, que acabaria com a corrupção que a abalou tão seriamente, roubou a palavra maldita de seu código chamado de ética, na verdade de estética, mera maquiagem para tudo seguir como sempre. Daí não surpreender que o trio, até o ano passado soberano no futebol mundial, Lionel Messi, Cristiano Ronaldo e Neymar Júnior, viva às voltas com o fisco.

Surpreendente é seguirmos loucos por futebol.

Tivéssemos um mínimo de vergonha na cara, daríamos um bico a escanteio no futebol e iríamos tratar de coisas mais importantes. Como a política, por exemplo...

OK OK OK, como diz Gilberto Gil em seu novo disco.

Paremos de brincadeira porque está dito que o texto não é de humor e, segundo o filósofo escocês Bill Shankly (1913-1981), "é claro que o futebol não é uma questão de vida ou de morte. É muito mais importante que isso". Shankly fez do Liverpool o melhor time europeu nos anos 1970 e não viveu para ver a Premier League virar o que virou, o melhor campeonato nacional do planeta.

Talvez tivesse inveja de ver o Manchester City de Pep Guardiola, campeão no ano passado e já vitorioso na estreia desta temporada, ao passar por cima do Arsenal, em Londres, por 2 a 0, num clássico que honra o nome dos clássicos.

Mas o que veio fazer aqui o velho Shankly numa história podre dedicada aos Infantino, Blatter, Havelange, Teixeira, Marin, Del Nero e seus seguidores espalhados pelo mundo em geral e pelo Brasil em particular?

Veio explicar, com sua devoção cristalina ao futebol, por que seguimos apaixonados por esse esporte em sua capacidade infinita de nos fazer retornar à infância, com todos os direitos permitidos pela ingenuidade.

Quando a bola que interessa rola, esquecemos de todas as demais, infames, na maioria das vezes impunes, embora somem milhões e milhões de dólares, de euros, de reais. 

Porque o bicho homem é assim, precisa ter com o que se distrair, tem de se divertir, de acreditar na salvação do mundo, na utopia da justiça sendo feita, no drible do Mané, no passe do Tostão, no gol de Pelé.

Ou, vá lá, apesar de todos os pesares, no drible de Neymar, no passe de Messi, no gol de Cristiano Ronaldo.

A quarta (15) passou e ficamos hipnotizados por Flamengo e Grêmio e por Chapecoense e Corinthians.

Nesta quinta (16), a anestesia será aplicada por Palmeiras e Bahia, pelo São Paulo na Argentina.

Quem dera poder desistir, mandar tudo às favas e dizer em alto e bom som para os mafiosos que chega, basta, vocês não nos engabelarão mais. Como não cobrar o que foi desviado da CBF?! Como roubar até a corrupção no código da Fifa?!

É tarde, futeboleiras e futeboleiros, demasiado tarde.

Quem veio até aqui continuará se iludindo, esmurrará todas as facas que porventura ainda houver para esmurrar. E quando o apito na fábrica de torcidas vier ferir nossos ouvidos, estará pronto para soltar o grito de gol. Pois como ensinou o cardeal corintiano Dom Paulo Evaristo Arns, "não há derrotas definitivas para o povo".

Coisa que o saudoso amigo Claudio Weber Abramo também sabia em sua luta permanente contra a palavra que a Fifa extirpou.

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