Juca Kfouri

Jornalista, autor de “Confesso que Perdi”. É formado em ciências sociais pela USP.

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Juca Kfouri
Descrição de chapéu Otavio Frias Filho

Otavio não gostava de futebol

Pequenas memórias entre o jogo que ele não foi e a homenagem crítica que fez

​Depois de tantos belos textos, fiquei desarmado sobre como escrever aqui.

Tanto que nada escrevi.

Procurava algo original e encontrei o óbvio: Otavio Frias Filho não gostava de futebol.

Em agosto de 1995, num almoço, quando comecei a trabalhar nesta Folha, ele quis saber muito dos bastidores do futebol e nada do jogo.

Acontece que no domingo seguinte Corinthians e Palmeiras decidiriam o Campeonato Paulista e o pessoal do jornal havia fretado um ônibus para ir em alegre excursão a Ribeirão Preto.

Tentei convencê-lo a ir também, pelo menos uma vez, ao dérbi paulistano, ainda mais porque envolto pela graça inédita de, jogo final, ser disputado no interior.

Fui mal sucedido. Otavio ouviu pacientemente todos os meus entusiasmados argumentos com ar de quem prestava atenção e não se comoveu. 

Não gostava de futebol, exceto nas Copas do Mundo, embora tivesse um clube preferido: simpatizava exatamente com o Santos, o time que mais gostou de futebol no Brasil. Introspectivo como era, difícil imaginá-lo explodindo num grito de gol.

Trabalhei sob seu comando distante entre 1995 e 1999 e depois de 2005 até a última terça-feira (21). Daí só poder contar o pouco vivido juntos.

Certa vez escrevi a coluna desancando um coleguinha que havia dito besteiras sobre mim numa revista. 

Otavio recebeu queixa do jornalista ridicularizado, ofereceu a ele espaço para responder (algo jamais feito pelo dito cujo) e me telefonou para perguntar se eu queria um mimeógrafo de presente. 

Estranhei a oferta e, é claro, quis saber por quê. "Porque essa polêmica está parecendo briga de estudantes", respondeu. O zelo pelo poder do jornal sempre foi impressionante.

A preocupação com o outro lado, mesmo quando se sabe que virá uma porção de mentiras, era marca registrada.

Há quem a chame de "outroladismo", pejorativamente, apesar de ser melhor dar direito de defesa ao culpado que silenciar o inocente.

Minha primeira passagem pelo jornal durou até 1999. Tivemos uma divergência menor e nenhum dos dois cedeu. É óbvio, quem saiu fui eu. De luto. 

Luto não sentido ao deixar 25 anos de Editora Abril, para ser contratado por ele, em seguida, da maneira mais cavalheiresca possível. A saída da Folha não foi assim tão gentil, mas, fato é, dois anos depois, por interposta pessoa, recebi seu convite para voltar.

Não voltei, porque não tinha como deixar o diário Lance!, onde era tratado muito bem. O luto acabou e pedi à intermediária, nossa querida e comum amiga, a advogada Taís Gasparian, que transmitisse meu alívio.

Em 2005 encontrei Otavio numa festa, por puro acaso. Ele me chamou à sua mesa e perguntou quando eu voltaria ao jornal. "Em uma semana", respondi. Sofri para deixar o Lance!, mas com a sensação que não tivera ao sair da Folha –a de ter feito um bom trabalho. 

Aqui estou até hoje tentando fazê-lo. Quando, três anos atrás, a natureza quase me levou, Otavio fez questão de se colocar à disposição para o que precisasse.

Reestabelecido, homenageou-me –porque enquanto estive hospitalizado explodiu o Fifagate e a cartolagem começou a ser presa fora do Brasil.

Em meio à homenagem, num almoço com editores e colunistas, não deixou de ser crítico: "Você escolheu fazer jornalismo militante", opinou. "Não sei quem está certo ou errado, mas eu escolhi ser equidistante", arrematou. Até hoje não sei se foi um pito.

Sei que nestes tempos sombrios para a mídia, o país perdeu seu melhor Diretor Editorial.

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