Juca Kfouri

Jornalista, autor de “Confesso que Perdi”. É formado em ciências sociais pela USP.

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Juca Kfouri

Cruzeiro é desvalorizado por gestão temerária

Entregar o futebol celeste a Perrella é como pôr Nero no Corpo de Bombeiros de Roma

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Sobraram, como se sabe, o Flamengo, o Santos e o São Paulo, únicos a não conhecer a mancha do rebaixamento nacional.

O Cruzeiro (Cr$) foi a moeda brasileira de 1942 a 1967, de 1970 a 1986 e de 1990 a 1993.

O Cruzeiro Esporte Clube, desde 1921, sobreviveu ao Mil Réis (RS), ao Cruzeiro Novo (NCr$), ao Cruzado (Cz$), ao Cruzado Novo (NCz$), ao Cruzeiro Real (CR$) e ao Real (R$). Ufa!

Não houve inflação e troca de moeda que derrubassem o CEC.

Ao contrário, o time celeste conheceu a glória, derrotou o Santos de Pelé, em 1966, na Taça Brasil, ganhou mais três Campeonatos Brasileiros (2003, 2013 e 2014), duas Libertadores (1976 e 1997) e é o maior campeão da Copa do Brasil, hexacampeão, e coleciona ainda 38 títulos estaduais, duas Supercopas Sul-Americanas e uma Recopa.

Nada, rigorosamente nada, indicava a queda nesta temporada. Ao contrário, era apontado como um dos favoritos. Mas o que as inúmeras desvalorizações da moeda não conseguiram, apenas um Perrella, o Zezé, conseguiu.

Zezé Perrella tem tudo a ver com a derrocada do Cruzeiro - Pedro Ladeira - 13.jul.15/Folhapress

Não apenas ele, porque Mano Menezes exagerou na busca do que seria o heptacampeonato da Copa do Brasil, seu tri consecutivo; o atraso de salários pôs à prova jogadores desinteressados e simbolizados na patética figura de Thiago Neves e a derrocada aconteceu.

A conta chegou como tem sido tão comum nas ascensão e queda dos clubes brasileiros, incapazes de se autossustentar.

Só que chegou para o clube, para seus milhões de torcedores, e não para os cartolas que o exploraram e se projetaram socialmente —no caso de Perrella até ao Senado foi, como suplente de Itamar Franco, manobra malandra do conselheiro do Cruzeiro Aécio Neves.

Perdão, rara leitora e raro leitor paulistas que eventualmente estejam perguntando por que tanto espaço para um clube de Minas Gerais, cujos jornais jamais dedicaram tantas linhas às duas quedas do Palmeiras e à do Corinthians.

Não cometam semelhante provincianismo: o Cruzeiro é patrimônio nacional, continental, quiçá, mundial.
O Cruzeiro é o clube de Tostão, Dirceu Lopes e Zé Carlos. De Nelinho, Jairzinho e Palhinha, diminutivos só nos apelidos, maiúsculos no futebol.

É o clube de Alex, de Raul Plassman, de Sorín, sim, de Ronaldo Fenômeno, Joãozinho, Fábio, Éverton Ribeiro, Ricardo Goulart, Wilson Piazza, Dida, Natal, tantos, Perfumo, para citar apenas os dos ditos tempos modernos, porque lá atrás ainda tem Niginho etc.

É por essa gente capaz de ter erguido um gigante concomitantemente com a inauguração do Mineirão, em 1965, que quem gosta de futebol está triste pela queda e com raiva de quem o derrubou. Como está perplexo quem vê a saída de Perrella da presidência do Conselho Deliberativo cruzeirense para se dedicar exclusivamente à gestão do... futebol.

Parece brincadeira, parece pegadinha, mas não é, é apenas escárnio, indiferença absoluta ao sentimento da torcida e ganância de quem devora a carne até o osso, dono de frigorífico que ele é.

Aprovada a lei do clube-empresa, não se surpreenda se o Cruzeiro aderir, sem nenhum investidor, e logo pedir recuperação judicial para abater a dívida de R$ 700 milhões que contraiu irresponsavelmente em tenebrosas transações.

O Cruzeiro, ao entregar o futebol a Perrella, faz como se Roma nomeasse Nero para comandar o Corpo de Bombeiros.

É desnecessária a inflação para saber onde acabará.

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