Juca Kfouri

Jornalista, autor de “Confesso que Perdi”. É formado em ciências sociais pela USP.

Salvar artigos

Recurso exclusivo para assinantes

assine ou faça login

Juca Kfouri

Duas histórias que traduzem a essência do futebol de raiz

Às vezes, o que parece errado está certo e o que parece certo está errado

  • Salvar artigos

    Recurso exclusivo para assinantes

    assine ou faça login

No futebol, às vezes, o que parece errado está certo e o que parece certo está errado. A história chegou à coluna pelo sociólogo e jornalista brasileiro Paulo Escobar, contada pelo também jornalista argentino, de Rosário, Santiago Garat.

Diz assim: "Toca e anda. Creio que se chamava Juan.

Aparentava ter 83 anos, e aparecia todas as quartas, às nove da noite, pontualmente, com a bolsa debaixo do braço. Já vinha vestido.

Geralmente com camisas de clubes italianos ou espanhóis. Originais e reluzentes. E calção do Central Córdoba, com o número 5 estampado na coxa direita.

Jogador do Central Córdoba espera para cobrar falta em jogo contra o River Plate, pelo campeonato argentino
Jogador do Central Córdoba espera para cobrar falta em jogo contra o River Plate, pelo campeonato argentino - Alejandro Pagni/AFP

Na bolsa trazia as caneleiras, que colocava meticulosamente entre as meias. Um pote laranja de pomada anti-inflamatória que espalhava, sem poupar, em ambas as pernas e na cintura. Um sabão de toucador. Uma toalhinha daquelas de secar as mãos. E um desodorante Old Spice, o do barquinho.

Olho que corria pau a pau com a gente, que não tínhamos mais de 30 anos.

E sabia bastante com a bola.

Era desses que te pede todas e as devolve redonda. Toca, toca e anda, ele dizia.

Era uma parede humana, o cara. Naquela noite tive que enfrentá-lo.

O jogo estava equilibrado, mas sem atritos.

Num momento me encarou confiante com a bola no pé.

Não sei o que fez, mas me obrigou a abrir as pernas e me deu uma caneta maravilhosa.

E num escanteio pra nós, um tempinho depois, me deu uma cotovelada no olho.

Não muito forte, mas certeira. Nada é sem querer.

Quando terminamos de tomar banho, enquanto ele secava as bolas com a toalhinha, perguntou o que tinha me doído mais: a caneta ou a cotovelada?

A cotovelada, respondi.

Se dedica a outra coisa garoto, me disse.

Passou o desodorante e foi".

O pênalti distraído

Brasil e França disputavam as quartas de final da Copa do Mundo de 1986, no estádio Jalisco, de Guadalajara, no México. O empate 1 a 1 em 120 minutos levou aos pênaltis.

Sócrates saiu do meio de campo a passos lentos para a primeira cobrança.

Na cabine de TV brasileira o comentarista cravou, seguro: "Nunca vi o Magrão perder um pênalti decisivo".
Pois viu, pela primeira vez.

Viu e criticou o que chamou de displicência do craque ao não tomar distância para fazer a cobrança.

No dia seguinte, ao ir cobrir o retorno da seleção para o Brasil, foi chamado pelo Doutor: "Estou decepcionado com você", disse docemente.

Ouviu de volta: "Pombas, Magro, você jamais agradeceu nenhum elogio, nem precisava, mas na primeira crítica, reclama?".

Calmamente, o capitão da seleção pôs as duas mãos nos ombros do jornalista e explicou: "A decepção não é pela crítica, mas porque pensei que você, me conhecendo tão bem, estranharia eu bater o primeiro pênalti.

Sempre bati o último e nunca perdi, sabe por quê? Porque via como o goleiro se comportava e quando me encaminhava para a área já sabia o que fazer. O estádio podia estar lotado, que eu não ouvia nada. Ontem, quando o Telê me disse para bater primeiro porque o Zico bateria o quinto, pensei que alguma coisa estava errada. E até chegar à marca do pênalti imaginava o Brasil inteiro olhando para mim. Bati fraco e perdi. E não por displicência, porque já vinha batendo assim no Corinthians".

Pura verdade.

Quem perdeu ótima oportunidade foi o comentarista. Já pensou se ele advertisse antes da cobrança: "Está errado. Nunca vi o Sócrates bater o primeiro pênalti".

LINK PRESENTE: Gostou desta coluna? Assinante pode liberar cinco acessos gratuitos de qualquer link por dia. Basta clicar no F azul abaixo.

  • Salvar artigos

    Recurso exclusivo para assinantes

    assine ou faça login

Tópicos relacionados

Leia tudo sobre o tema e siga:

Comentários

Os comentários não representam a opinião do jornal; a responsabilidade é do autor da mensagem.