Juca Kfouri

Jornalista, autor de “Confesso que Perdi”. É formado em ciências sociais pela USP.

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O que representa vestir uma camisa amarela

O uniforme é da CBF ou da seleção brasileira? Simboliza glórias ou corrupção?

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A discussão voltou por causa dos fanáticos que saíram às ruas contra o isolamento social vestindo a camisa da CBF.

Ou seria a da seleção brasileira? Há controvérsias.

Martín Fernandez, um dos mais brilhantes jornalistas da nova safra de colunistas esportivos, retomou o tema no Globo do último sábado (18).

O presidente Jair Bolsonaro cumprimenta apoiadores que participavam de uma carreata em apoio ao presidente e contra as medidas de isolamento recomendadas por governos estaduais para tentar conter a pandemia do Coronavírus
O presidente Jair Bolsonaro cumprimenta apoiadores que participavam de uma carreata em apoio ao presidente e contra as medidas de isolamento recomendadas por governos estaduais para tentar conter a pandemia do Coronavírus - Pedro Ladeira/Folhapress

Uruguaio de nascimento, mas brasileiríssimo de coração, Martín recusa a identificação da camisa amarela com a imagem de corrupção que o trio Teixeira$Marin$Nero deixou como legado na CBF.

A camisa que Pelé, Romário, Sócrates, os Ronaldos usaram, —e ele cita mais uma dezena de craques que a dignificaram— não pode ser confundida com a ganância de três elementos que jamais a vestiram, nunca a suaram.

Martín tem razão.

O problema está na imagem assumida pelos enlouquecidos que vestiram uma camisa amarela e saíram por aí com palavras de ordem, primeiramente, moralizadoras, e, agora, saudosas de intervenção militar.

Se era uma contradição em termos usar o distintivo da Casa Bandida do Futebol, a única entidade nacional com três cartolas banidos do futebol —fora João Havelange que teve de renunciar a tudo para também não ser—, para pedir honestidade, a nostalgia por ditadura contradiz tudo que os revolucionários melhores momentos da seleção produziram.

Assim como os Três Mosqueteiros eram quatro, o trio da CBF é um quarteto, mas 2020 não é 1964.

Quem queria moralidade elegeu milicianos e quem quer ditadura deveria estar na cadeia.

Já Martín quer apenas manter viva a alegria de seu filho pequeno, Lucas, de três anos, que tem uma camisa da seleção e é a que mais gosta.

“O prazer de ver meu filho feliz com a camisa da seleção ninguém vai tirar” é a frase que encerra a coluna.

E mais uma vez o colunista está corretíssimo.

Como a ditadura foi incapaz de tirar o prazer de ver a seleção do tricampeonato, em 1970, ou a festa daquele título, estivessem os torcedores encarcerados por se oporem ao arbítrio, estivessem nos bancos da Faculdade de Ciências Sociais da USP, como se sabe, um antro de perigosos comunistas.

Porque a camisa da CBF vestida pelo sacripanta que impedia o trânsito de ambulâncias na avenida Paulista não é a camisa da seleção brasileira de Tostão, Gérson e Rivellino, as esquerdas em que o Brasil sempre confiou, como sacou uma histórica reportagem da revista Realidade às vésperas da Copa de 70. Não por serem esquerdistas, faz-se necessário dizer nestes tempos intolerantes, mas por serem canhotos extraordinários com a bola nos pés.

Tomara que Lucas possa ver Neymar no papel em que o pai dele viu Rivaldo e que gerações anteriores viram em Nilton Santos, em tantos.

A seleção, sempre é bom lembrar, é o maior símbolo de como vivemos nós, brasileiros, da euforia à depressão.

Somos capazes de xingá-la com quase ódio, como de amá-la até chegar às lágrimas.

Não terão os que negam a redondeza da bola poder a ponto de tomar a seleção do coração do povo. Por mais que cantem o enjoado, e sonífero, “sou brasileiro com muito orgulho e muito amor”.

Porque quem gosta mesmo da seleção é a turma do “vocês vão ver como é Neymar, Zico e Pelé, dando seu baile de bola, quando eles pegam no couro, o nosso escrete de ouro mostra o que é nossa escola”, frevo imortalizado por Jackson do Pandeiro, em 1962, sem Neymar e Zico, mas com Didi e Garrincha.

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