Juca Kfouri

Jornalista, autor de “Confesso que Perdi”. É formado em ciências sociais pela USP.

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Juca Kfouri

A minha primeira vez no Maracanã

Vi o Brasil golear a Argentina. Mas vi muito mais. Vi até o que não aconteceu

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A primeira vez em que fui ao Maracanã, que faz 70 anos nesta terça-feira (16), aconteceu um fato bizarro contado em livrinho, "Meninos, eu vi", escrito em 2003: "Cabeça de criança cria lendas --e o que você lerá aqui é fruto de pura imaginação."

Estávamos em 1960, e, como era habitual, passava as férias de julho no Rio, na casa de meu tio Mário.Brasil e Argentina iam jogar no Maracanã, pela Taça do Atlântico, que tinha também o Uruguai. Meus dois irmãos e eu tanto fizemos que conseguimos convencer meu tio e meu pai a nos levar ao jogão.

Mas havia um problema, não sei se real ou inventado apenas para me encher: eu era o caçula, tinha dez anos, e me diziam que só com mais de 12 era permitido entrar no estádio à noite. Sofri as penas do inferno até chegar ao Maracanã e, como se quisesse me esconder, passei tão espremido pela catraca que, me gozaram depois, minha entrada nem sequer foi registrada. O que vi dali por diante foi dos espetáculos mais inesquecíveis da minha vida.

A Argentina fez 1 a 0 e tinha um ponta-direita, chamado Nardiello, que era uma fábula, dos melhores que já vi. Rapidíssimo, driblava na corrida e deixava o maravilhoso Nílton Santos em maus lençóis. Nardiello jamais saiu da minha cabeça, mas, quando fui pesquisar a história desse jogo para contá-la aqui, eis que descubro que ele não jogou naquela noite. Mas como?!

Um registro frio num pedaço de papel não pode prevalecer sobre a memória de uma criança, e nem eu poderia ter inventado aquele nome.

Pois sabia que Nardiello existira e sim, jogara sim senhor, naquela noite. Jogara espantosamente bem até que Pelé e Coutinho resolveram roubar a cena. Aí, de fato, nem Nardiello nem ninguém mais tinha a menor importância.

Só os dois negros do Santos, números nove e dez às costas, com suas tabelinhas infernais.

O primeiro tempo acabou 4 a 1 para o Brasil, e, no segundo, nem um nem outro voltou a campo. Vicente Feola, o técnico brasileiro, resolveu tirá-los porque estavam levando tanta pancada que não convinha mesmo continuar a expô-los com a vitória assegurada.

Nas cadeiras do Maracanã, um senhor corpulento, vozeirão de feirante, gritava a cada cinco minutos, na direção do banco de reservas, o nome do técnico argentino: "Stabile! Stabile!"

Coutinho e Pelé, em 1960, se apresentando ao técnico Vicente Feola - Acervo UH/Folhapress

O treinador, é claro, não ouvia. Mas, passava um tempinho, lá vinham os berros: "Stabile! Stabile!"

Quando o Brasil marcou o quinto e último gol, o torcedor não aguentou mais, levantou, gritou outras duas vezes o nome de Stabile e, finalmente, antes de ir embora, arrematou, para gargalhada geral: "Bota o Pelé no seu time!".

Ter vivido aquela noite mágica nunca mais saiu de minha cabeça. Ser apresentado ao então "maior estádio do mundo", em jogo tão especial, acrescentou novo ingrediente para aumentar minha paixão definitiva pelo futebol.

Mas, de fato, Nardiello, que seria o titular, machucado, não jogou, substituído por Norberto Boggio.

Até hoje, com a mesma idade do Maracanã, tenho dificuldades em aceitar que não era o Nardiello, tantas vezes falei dele aos meus amigos, como autor de uma das maiores exibições que vi em campo, apesar da goleada.

Para piorar, o tal Boggio nem deve ter jogado tanto, porque a ficha do jogo mostra que ele foi substituído no segundo tempo. Tomara que tenha sido por lesão...

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