Juca Kfouri

Jornalista, autor de “Confesso que Perdi”. É formado em ciências sociais pela USP.

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Juca Kfouri

Dois goleiros pretos que pagaram preço alto pelo fato de serem negros

Não há preconceito apenas contra os treinadores, mas também contra os goleiros

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A história de Barbosa é mais que conhecida. Acusado de ter falhado no gol de Ghiggia, no Maracanazo, nunca foi perdoado. Até morrer, em 2000, dizia que era o único brasileiro condenado à pena perpétua.

Foram necessários 16 anos para um goleiro preto voltar a defender o Brasil em Copas do Mundo, o então botafoguense Manga.

Lula, quando estava no Corinthians, em 1969, e Jairo, no Coritiba, em 1976, passaram brevemente pela seleção, mas só mesmo Dida, em 1998, 2002 e 2006, voltou a estar em Copas do Mundo.

Não há preconceito apenas contra os treinadores pretos, mas também contra os goleiros quando se trata de seleção brasileira.

Menos conhecido, Barbosinha, que defendeu o Corinthians em 1966/1967, também acabou crucificado pela cor da pele.

Coincidente e, pode-se dizer, tragicamente apelidado de Barbosinha pela semelhança com Barbosa, o de 1950, acabou também como culpado pela derrota corintiana para o Palmeiras, por 2 a 0, em jogo que tirou do alvinegro a chance de ser campeão paulista em 1967. Barbosinha teve de sair do Parque São Jorge para ir ser campeão paranaense no Athletico.

Lourival de Almeida Filho, falecido em 2015, o Barbosinha, teve um filho que se transformou numa das mais qualificadas vozes na luta antirracista no país.

Silvio Luiz de Almeida, 43, advogado, é doutor em Filosofia e Teoria Geral do Direito pela USP, professor na FGV-SP, no Mackenzie e preside o Instituto Luiz Gama, associação de juristas e militantes que trabalham em defesa dos excluídos, além de autor de vários livros.

Atualmente dá aulas no Centro de Estudos Latino-Americanos e Caribenhos da Universidade de Duke, na Carolina do Norte, Estados Unidos.

A cruel cena do assassinato de George Floyd extrapolou as fronteiras americanas. Tomou conta do mundo e reverbera no Brasil com o clamor dos gritos tardios, mas sempre em tempo.

Proliferam as manifestações de solidariedade, de indignação e, mais importante, as dos massacrados pelo racismo brasileiro desde os tempos da escravidão.

Esportistas se organizam em torno de manifesto pela democracia e antirracista para dizer não à naturalização dos que imaginam, como Vanderlei Luxemburgo, que apontar racismo no futebol “é bobagem”. Não é.

Goleiro Barbosa, que defendeu o Brasil na Copa de 1950 - Folhapress

Na verdade é questão tão visceral que fez viralizar o depoimento do ativista e músico ganês radicado no Brasil Nabby Clifford, que até rejeita o termo negro: “O Brasil usa palavras como lista negra, dia negro, magia negra, câmbio negro, vala negra, mercado negro, peste negra, buraco negro, ovelha negra, a fome negra, humor negro, seu passado negro, futuro negro. Não deveria chamar uma criança de negro. (...) Brasileiro quando valoriza alguma coisa não fala negro, ele fala preto. Ele não come feijão negro, come feijão preto. O carro dele não é carro negro, o carro dele é carro preto. Ele não toma café negro, toma café preto. A fome é negra, mas quando ganha na loteria, ganha uma nota preta. Se branco não é negativo, preto também não é negativo”.

Negro é, ele diz.

Embora também se diga que “a coisa aqui tá preta” e talvez Clifford traduza ao pé da letra o “nigger” do inglês, tão pejorativo que John Lennon um dia, em 1972, escreveu “Woman is the Nigger of the World”.

Pois deixou de ser.

Mas o preto brasileiro ainda é.

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