Juca Kfouri

Jornalista, autor de “Confesso que Perdi”. É formado em ciências sociais pela USP.

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Como técnico, Didi nunca teve o mesmo reconhecimento

Negros brilharem de chuteiras é o mais comum, mas como treinadores o preconceito impera

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Faz 50 anos. Sim, tudo, nesses dias febris na política, e mortais na saúde pública, faz 50 anos.

Estávamos em plena Copa do Mundo, a caminho do tricampeonato.

No domingo, 14 de junho, a seleção brasileira enfrentaria a peruana e era favoritaça, embora o inventor do neologismo, o jornalista Arnaldo Ribeiro, nem tivesse nascido.

Mas no banco inca havia um negro que nos dava medo, impunha respeito.

Didi com o uniforme da seleção brasileira durante o Campeonato Sulamericano de 1957, em Lima
Didi com o uniforme da seleção brasileira durante o Campeonato Sulamericano de 1957, em Lima - Acervo UH/Folhapress

Se chamava Waldir Pereira, apelidado Didi, o Príncipe Etíope, como o chamava Nelson Rodrigues.

Ele não tinha sido um bom, ótimo jogador. Era gênio, foríssima (outro neologismo que acaba de nascer) de série, eleito o melhor da Copa do Mundo de 1958.

Inventor da “folha seca”, arremate em que a bola parecia que passaria por cima do travessão e caía, de repente, dentro do gol.

Só que Didi não escolhia o outono para fazer gols assim, fazia também no verão, no inverno e na primavera.

Por coincidência, Didi dirigia a seleção que ajudou a eliminar em 1957, ao, de “folha seca”, fazer o gol que levou o Brasil à Copa no ano seguinte e ao primeiro dos cinco títulos.

Mestre Tostão escreveu sobre o preconceito que impede o sucesso de treinadores negros no Brasil.

Pois Didi teve de ir fazer sucesso no Peru, comandando uma equipe que impediu a ida da Argentina à Copa e classificou o time andino para jogar pela segunda vez no torneio —e depois de 40 anos, pois só havia participado do primeiro.

Valdir Pereira, o Didi, que ficou conhecido como Príncipe Etíope, por sua elegância em campo. Em sua carreira, conquistou vários títulos: campeão carioca em 1957, 1961 e 1962, pelo Botafogo, e mundial, jogando na seleção brasileira, em 1958 e 1962. Foi também técnico e dirigente
Valdir Pereira, o Didi, que ficou conhecido como Príncipe Etíope, por sua elegância em campo. Em sua carreira, conquistou vários títulos: campeão carioca em 1957, 1961 e 1962, pelo Botafogo, e mundial, jogando na seleção brasileira, em 1958 e 1962. Foi também técnico e dirigente - M. Pires - 1975/Folhapress

Bibi, o filho de Didi, não tem dúvida: “Eu acredito que a cor da pele atrapalhou o meu pai. Nós temos um problema no nosso país, os negros são deixados de lado nos grandes postos. Acredito que isso prevaleceu, contribuiu muito para que ele não fosse convidado. Embora ele tivesse uma relação excelente com o João Havelange, houve uma certa resistência na ocasião”, contou sobre o sonho do pai em dirigir a seleção canarinha.

Elegantérrimo como atleta, cabeça erguida, ​passos imperiais e passes geniais, como treinador não deixava por menos, sempre de terno.

Com uma geração especial sob suas ordens, onde sobressaíam Teófilo Cubillas, Héctor Chumpitaz, Ramón Mifflin e Alberto Gallardo, Didi nos botava medo naquelas quartas de final.

Depois de vencer a Bulgária e Marrocos, e perder para a Alemanha, os peruanos chegaram ao estádio Jalisco de Guadalajara dispostos a surpreender os brasileiros.

Companheiros no bicampeonato de 1958/62, e também no melhor Botafogo de todos os tempos, Didi e Zagallo se enfrentariam como técnicos.

Mas Tostão, que não tinha ido ao México para fazer gols e sim para abrir espaços e facilitar a vida dos companheiros, estava impossível e marcou duas vezes.

Rivellino abriu o placar, Tostão fez 2 a 0, Gallardo descontou, ainda no primeiro tempo.

No segundo, Tostão fez 3 a 1, Cubillas encostou e Jairzinho fechou a contagem ao fazer 4 a 2.

O Brasil estava nas semifinais contra o Uruguai e o fantasma de 1950— mas essa é outra história que ficará para daqui a pouco.

“Aqui Didi nunca foi reconhecido”, desabafou Bibi ao repórter Tébaro Schmidt, no ano passado.

Como treinador não foi mesmo, embora tenha dirigido Fluminense e Botafogo, clubes que defendeu com brilho como jogador, e Cruzeiro.

Negros brilharem de chuteiras é o mais comum, cor da pele de Pelé e de quase todos os gênios de nosso futebol.

Mas como treinadores o preconceito impera.

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