Domingo, 16 de julho de 1950. Faz 70 anos.
Contava minha mãe que chorei muito nesse dia. Também, pudera! Com quatro meses e 12 dias de vida, tinha fome e queria mamar.
Consciência mesmo do drama acho que só passei a ter quando já estava amadurecendo.
O gol de Alcides Gigghia (1926-2015), de tão marcante e repetido, parecia até ter sido o único da decisão da Copa do Mundo, 1 a 0 para o Uruguai. Nada disso! Foi o gol da virada, 2 a 1, com o Brasil jogando pelo empate.
Há quem diga que o 7 a 1 do Mineirão, este visto por mim das tribunas de imprensa, resgatou o Maracanazo, porque, aí sim, vexame histórico, inédito, aterrador. Discordo.
Embora não considere vexame algum a derrota em 1950 e a de 2014 verdadeiro desacato ao futebol brasileiro, em Belo Horizonte achei graça, embora perplexo. Não deu para lamentar, de tão surreal a situação, bizarra, patética.
Em Sarriá, na Copa de 1982, contra a Itália, 3 a 2, doeu muito mais.
O 7 a 1 soou como anestésico. Primeira picada, sonolência; a segunda, dormência; a terceira, sono profundo; a quarta, a quinta e a sexta, sem registro, e a sétima, pesadelo, daqueles em que você acorda e pensa: “Ainda bem que foi só um sonho ruim”.
O Maracanazo, não. É drama em estado puro, como o suicídio de Getúlio Vargas, quatro anos depois, ou as mortes de Tancredo Neves e Ayrton Senna. Dor, dor e dor.
Como disse Gigghia, “Apenas três pessoas, com um único gesto, calaram o Maracanã: Frank Sinatra, o Papa João Paulo II e eu.”
A literatura sobre aquele 16 de julho é vasta. Não apenas valeu o rótulo, cunhado por Nelson Rodrigues, para raça nacional atingida pelo complexo de vira-latas, como virou excelente livro de Paulo Perdigão (1939-2006), “Anatomia de uma Derrota” (Editora L&PM, 2000), a tragédia contada minuto a minuto, personagens retratados antes, durante e depois da pugna.
Para muitos brasileiros de então, nunca mais o país comemoraria uma Copa do Mundo, diferentemente do Uruguai, que festejou no Rio o seu bicampeonato, pois havia vencido em 1930, em casa —façanha somada ao bicampeonato olímpico, em 1924 e 1928, em Paris e Amsterdã.
Deu-se o inverso, como se sabe. Os uruguaios não voltaram a disputar nem sequer uma final e os brasileiros ganharam cinco Copas, além de terem disputado nova decisão com derrota, para os franceses, em 1998, na França.
Volto a 2014. No intervalo da goleada no Mineirão, 5 a 0 a favor dos germânicos, encontrei a jornalista alemã Martina Farmbauer, que havia um ano estava no Brasil para cobrir a seleção anfitriã para seu jornal.
Então, ela perguntou, com seu sotaque carregado: “O que está acontecendo?” Respondi: “Eu não sei. Nem consigo ficar triste.”
“E eu não consigo ficar alegre”, ela diz. “Parece jogo de adulto contra criança”, arrematou, com toda razão.
Nem bem terminado o passeio, o que tinha de memes nas redes antissociais era uma grandeza.
Em 16 de julho de 1950, não. Porque não havia redes antissociais, nem goleada, nem graça.
Apenas um enorme vazio na Amazônia intacta e no Distrito Federal. Que mereceu de Perdigão palavras tão eternas como a epopeia: “Continuará assim até o final dos tempos: naquela tarde, aqueles jogadores brasileiros, diante daquela multidão, perderam a Copa do Mundo para sempre. Nunca mais o Brasil ganhará a Copa de 50”.
Comentários
Os comentários não representam a opinião do jornal; a responsabilidade é do autor da mensagem.