Há certas coisas contra as quais não adianta brigar, e a Taça Libertadores da América é uma delas.
Para quem a acompanha desde a primeira, em 1960, é curioso notar que depois que o Santos de Pelé foi bicampeão em 1962/63, em batalhas épicas contra Peñarol e Boca Juniors, quando precisou de três jogos para dobrar os uruguaios, e quando venceu os argentinos na Bombonera, o próprio Santos a esnobou, dando preferência a excursionar pela Europa.
Chamada de Copa dos Campeões da América até 1964, passou a ter o nome atual exatamente quando o continente começou a experimentar um surto incontrolável de golpes de Estado e ditaduras sanguinárias. Libertadores, pois sim!
Só em 1976 um clube brasileiro voltou a ganhá-la, o Cruzeiro, em grande estilo, com apenas uma derrota e 11 vitórias em 13 jogos.
Outros cinco anos se passaram para que o Flamengo de Zico a conquistasse.
Aí, em 1983, foi a vez do Grêmio de Renato Gaúcho, e os quatros estados mais importantes do futebol brasileiro estavam contemplados.
Apenas nos anos 1990 é que o torneio pegou fogo por aqui, graças ao bicampeonato do São Paulo em 1992/93.
Corinthians e Palmeiras se importavam pouco com as conquistas do Santos, mas as do São Paulo precisavam ser respondidas.
E o que acende em São Paulo se alastra pelo país, assim como as queimadas da Amazônia atingem o mundo.
O Palmeiras precisava porque precisava ganhar uma Libertadores e a venceu em 1999, depois de Grêmio e Cruzeiro serem bi e o Vasco também a conquistar em 1998.
Não adiantou o Corinthians ser o primeiro campeão mundial Fifa em 2000, porque não tinha Libertadores, desdenhavam os não-corintianos.
O torneio continental parece valer mais que o planetário e assim foi até 2012 quando, enfim, Cássio, Romarinho e Emerson Sheik, dirigidos por Tite, ganharam o troféu, festa final no enlouquecido Pacaembu.
O São Paulo e Santos já haviam ganhado o tri, o Inter fora bi, mas, para a Fiel, nada é igual ao feito corintiano, invicto em 14 partidas, inédito!
Houve até quem propusesse ao presidente alvinegro Mário Gobbi que quebrasse a taça em pedacinhos e os distribuísse aos rivais: “Não era isso que vocês queriam?”.
Claro que que a proposta foi rejeitada, mas surgiu outra ideia, infelizmente nunca levada adiante: a de impor condições mais civilizadas para seguir disputando o torneio que exige sacrifícios despropositados, como jogar a mais de 2.600 metros de altitude, enfrentar deslocamentos a locais inóspitos, violência até da polícia, bater escanteios protegido por escudos, as veias abertas da América latrina.
Ninguém tem coragem para repudiar o torneio que o torcedor anseia como se fosse o Santo Graal, aquele que confere ao vencedor não necessariamente o galardão do melhor futebol, mas da valentia, da macheza.
É claro que antes de conquistá-lo não se poderia propor, porque pareceria desculpa submissa ao canhestro “espírito da Libertadores”.
Hoje, dos 12 maiores clubes do país, só Botafogo e Fluminense estariam impedidos de pensar no assunto.
O Atlético Mineiro, outro que saiu da fila em 2013, o Flamengo que agora também é bi e o Grêmio que virou tri, assim como os demais sete, podem. Não o fazem, nem o farão.
E acabam por diminuir a importância do Campeonato Brasileiro, futebolisticamente muito mais interessante.
Fazer o quê?
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